Entre-Nós sobre Psicopatologia junguiana

(Texto resumo da apresentação de introdução do Entre-Nós de 03 de dezembro de 2022 on-line)

Bom dia a todos! Bem-vindos, é com muito prazer que retomamos o Entre-Nós, que foi um evento de dialogo, integração e trocas realizado pelo CEPAES entre 2017-2019, como tantos eventos foi interrompido pela pandemia de COVID-19, em 2020.

O tema escolhido para retomarmos nosso encontro é a psicopatologia junguiana. É certamente um tema muito interessante, vejo com frequência as pessoas inseguras no tange a psicopatologia junguiana e outras já me perguntaram “existe uma psicopatologia junguiana?” Minha resposta foi “uma não mas, várias. Apesar disso, não há um discurso amplamente aceito ou um consenso que acerca da psicopatologia junguiana.

Primeiro precisamos entender as dificuldades de pensarmos a psicopatologia. Acredito que duas citações de Jung podem nos ajudar a entender o ponto de vista:

A psicoterapia constitui uma visível exceção a esta regra: para ela, o diagnóstico é extremamente irrelevante, na medida em que – exceto um nome mais ou menos adequado para o estado neurótico do paciente – nada se ganha, principalmente no que diz respeito ao prognóstico e à terapia. Contrapondo-se declaradamente ao resto da medicina, em que, de um determinado diagnóstico, decorre eventualmente um tratamento específico e um prognóstico relativamente seguro, o diagnóstico de qualquer neurose psíquica significa, no máximo, que um tratamento psíquico seria recomendado. Quanto ao prognóstico, ele é extremamente independente do diagnóstico. (JUNG pratica da psi, pr 195)

[774] Eu prefiro entender as pessoas a partir de sua saúde e gostaria de libertar os doentes daquela psicologia que Freud coloca em cada página de suas obras. Não consigo ver onde Freud consegue ir além de sua própria psicologia e como poderá aliviar o doente de um sofrimento do qual o próprio médico padece. (Jung Freud e a Psicanálise, pr 774)

Com essas citações eu quero apontar duas coisas: 

1 – com essa concepção de Jung rejeita aquela postura epistemológica característica do primeira metade do século XX que enfocava na doença e no processos de adoecimento psíquico. Em especial a atitude psicanalítica de Freud. Valorizando os processos de simbolização e desenvolvimento, ou seja, o processo de individuação. Essa postura é um elemento fundamental na identidade e no etos junguiano,

2 – Essa atitude não nega ou rejeita a psicopatologia, não ignora o fato da psique também sofrer ou adoecer.  

Naturalmente, falar de psicopatologia devemos ter clareza da sombra que ela traz: como instrumento de “rotulação”; que gera massificação ou generalização da vida no adoecimento, levando a perda da individualidade e, há um viés político que historicamente estigmatiza grupos e minorias, assim como vinculação da psicopatologia com a medicalização da vida. Esses aspectos devem ser levadas em consideração para não sermos tragados por esse campo sombrio.

Em todo caso, não podemos jogar fora o bebê com água do banho, psicopatologia é uma parte importante de qualquer perspectiva psicodinâmica. Mesmo quando recebemos um paciente que busca análise por “autoconhecimento” podemos nos deparar, usando a imagem de James Hollis, como lugares sombrios da alma, nos pantanais da alma – que são por excelência lugares associados a dor e sofrimento, e por isso, à psicopatologia.

A questão é entendermos que o direcionamento de nossas leituras vai embasar a concepção de psicopatologia que temos. Uma leitura clássica, centrada em Jung a psicopatologia vai tender a uma psicopatologia centrada nos complexos, ou como Jung dizia no “diagnóstico dos complexos”, processos voltados a inflação e identificação com a psique coletiva (especialmente anima e animus), e dos símbolos associados ao processo de individuação.

A psicologia arquetípica é uma escola muito forte no Brasil, a psicopatologia pela psicologia arquetípica propõe re-imaginar o sofrimento a partir do discurso da própria alma, através da narrativas mitológicas e das artes. Não visando a um “tratamento específico”, mas o fazer da alma.

Atualmente, vemos vários grupos no Brasil adotando um referencial desenvolvimentista especialmente com a leitura de Fordham, e acredito que o livro de Kalsched “O mundo interior do Trauma” que chamou atenção para a importância da abordagem desenvolvimentista, do diálogo com a psicanálise inglesa.

 A escola desenvolvimentista enfatiza processo de desenvolvimento, isto é, a compreensão da história do individuo e as relações com o ambiente na construção da subjetividade, as defesas mobilizadas, os processos de amadurecimento/constituição do Ego, a perspectiva tende ao psicossomático, compreendendo os processos arquetípicos como imanentes/psicossomáticos associadas ao desenvolvimento, analisando as defesas, fantasias e projeções.

A escola desenvolvimentista foi muito criticada e até mesmo rechaçada em meios junguianos como sendo “psicanalítica” mas hoje essa perspectiva tem mudado muito. Vale a pena citar, como referência o trabalho de Carlos Byington que se dedicou à construção de uma modelo teórica próprio, a psicologia simbólica e que deixou importantes marcas no pensamento junguiano brasileiro.   

Mas, qual a melhor via para pensar uma psicopatologia junguana? A via que integra as abordagens, que permite uma leitura ampla e que possibilite uma reflexão ampla sobre caso do paciente. Até porque as abordagens se complementam.

Uma virtude que deve ser valorizada no pensamento junguiano foi que, apesar pesares, termos conseguido se manter integrado em meio as divergências e alinhamentos internos – ao que Samuels chamou de clássicos, arquetípicos e desenvolvimentistas. E da tensão entre formas de pensar e trabalhar produziram trabalhos importantes como os do Nathan Schwartz-salant ou do Donald Kalsched – que articulam concepções clássicas e desenvolvimentistas de forma impar.

Nesse sentido, por exemplo, na visão clássica,  temos a teoria dos complexos que muito pouco ou quase nada fala acerca do Ego, apenas indicando fatores associados à inflação, identidade e invasão dos complexos. Por outro lado, nos textos desenvolmentistas fala-se muito pouco dos complexos, contudo são brilhantes em relação a organização do ego, dos mecanismos de defesa, fixação desses mecanismos temos uma compreensão dos processos que sustentam a patologia e que podem que manifestar resistência e na transferência.

Com esse panorama eu gostaria de indicar elementos teóricos que se relacionam diretamente pensarmos ou organizar alguns fundamentos para uma psicotologia junguiana como é vista e trabalhada CEPAES

Ego – estrutura, organização e funções: A saúde psíquica depende da estrutura/organização, força/coesão do Ego para mediar a relações internas e externas.

Complexos Ideo-Afetivos: Os complexos condensam a experiência pessoal, necessárias ao ego. Os complexos agregam em si a imagem/lembrança e afetos. A experiência integral por ser potencialmente ameaçadora ao Ego. Os complexos se associam potencializando a energia do complexo central. O Complexo pode afetar o curso da consciência : ou invadindo,  ou pela intensificação das defesas do Ego, ou subjugando o ego colocando-o numa posição correspondente ao complexo em questão.

Símbolos, Sintomas Como expressão do Self : Todo símbolo é uma expressão da função integradora e da função autorreguladora do Self.

Defesas do Ego :As defesas do Ego visam manter a integridade do ego assim como manter suas funções.  Podendo se voltar tanto para objetos interiores – complexos, símbolos – quanto objetos exteriores estímulos, sensações e percepções. As defesas auxiliam a conter e compensar um ego fragilizado, às custas das funções do mesmo.

Defesas Arquetípicas do Self: São defesas primitivas, pré-egoicas notadamente percebida na infância.b São defesas ativadas diante de ameaças ao Self – ou integridade e vida – na infância diante de “sofrimentos insuportáveis” a realidade psíquica da criança, na vida adulta quando o ego não consegue suportar o se defender das situações. Atacam as vinculações internas, fragmentando a personalidade – note-se: a personalidade não necessariamente o Ego.

Dinâmicas Arquetípicas e funções estruturantes: As dinâmicas arquetípicas são formas simbólicas expressas em termos de ação, afetos e percepção que estruturaram a dinâmica do ego no dia a dia. As dinâmicas arquetípicas podem ser criativas – potencializando, estruturando e expandindo a ego – ou defensivas – que propiciam uma adaptação limitada e “segura”,  favorecendo as defesas. As dinâmicas arquetípicas expressam o nível arquetípico da experiência humana, logo, compreender as dinâmicas arquetípicas nos mitos e contos nos permite discriminar os dinamismos.

Considerando cada um desses aspectos podemos compreender tanto o processo de adoecimento e defesa, compreender os elementos que faltam ao processo de amadurecimento ou a individuação.

Um exemplo possível  a compreender a importância de ter uma visão ampla é pensarmos acerca da importância compreensão ampla seria pensar o humor depremido. Num olhar junguiano ele poderia indicar:

Relação com Self: Compensação  a atitude da consciência – a retirada da libido – associada a perda de sentido ou significado, pode anteceder a constelação de símbolos do Self.

Fragilidade do Ego: O Ego frágil não consegue elaborar símbolos, de forma a ficar enfraquecido desvitalizado. Não conseguindo sustentar suas funções.

Defesa Contra complexos: O Ego direciona sua energia ou grande parte para sustentar uma defesa obstinada com o inconsciente. Muitas vezes associado com uma identificação com a persona.

Defesa contra realidade exterior: Frente a uma realidade exterior hostil, o ego se defende alimentando fantasias narcísicas infantis (quer de impotência/onipotência).

Assim, uma simples “classificação” a partir do sintomas não é suficiente para compreender e indicar um caminho de tratamento. Devemos sempre lembrar que a psicopatologia junguiana é sempre uma psicopatologia clínica, ou seja, visando auxiliar na prática da psicoterapia.

Vou deixar algumas indicações de leitura: Psiquiatria Junguiana do Fierz, “Narcisismo e Transformação de caráter” e “Personalidade Limitrofe” ambos do Schwartz-Salant, “O Mundo interior do Trauma” do Kalsched Psychopathology: Contemporary Jungian Perspectives, ed. Por Murray Stein, Perversion: A Jungian Approach da Fiona Ross, Empty Soul do Guggenbuhl-craig, the Self and Autism do Fordham, Obessions do Basigni, Incest Fantasies and Self-Destructive Acts Bovenspien e Sidoli, Into Darkest Places do Marcus West dentre vários outras.

(Seguiu-se discussão)

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos” Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. / e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes /Instagram @fabriciomoraes.psi

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