Alguns Aspectos da “Teoria Junguiana da Libido ou Energia Psíquica”

 

(Originalmente publicado em duas partes em 5 de janeiro de 2011 e 24 de janeiro de 2011)

Em 1928, Jung publicou um trabalho chamado “Energia Psíquica”. Este trabalho foi a conclusão de um longo estudo que começou em 1912, quando Jung começou a tornar públicas suas divergências com Freud.

O grande marco dessa diferença acerca da “teoria da libido” foi o livro “Metamorfoses e Símbolos da Libido”(1912). Em setembro desse mesmo ano, Jung realizou uma série de conferencias na Universidade Fordham,(EUA), onde apresentou uma nova concepção acerca da teoria da libido, segundo ele,

Creio não estar errado, se acho que o valor do conceito de libido não está em sua definição sexual, mas no seu ponto de vista energético,  graças ao qual  estamos de posse de uma concepção heurística extremamente valiosa. Graças também a concepção energética, temos a possibilidade de imagens dinâmicas e relações que são de valor incalculável no caos do mundo psíquico. A escola freudiana faria muito mal se fechasse os ouvidos às vozes da crítica que acusam nosso conceito de libido de misticismo e incompreensível. Uma das nossas ilusões foi acreditar que podíamos transformar a libido sexual em veículo de uma concepção energética da vida psíquica, e e muitos de nossos ainda pensam que possuem um conceito perfeitamente claro e por assim dizer concreto de libido, não se dão conta de que esse conceito foi empregado em sentidos que ultrapassam de longe os limites de sua definição sexual. (JUNG, 1989,  p. 127-8).

Nesse texto, de 1912, podemos perceber que Jung ainda estava relacionado com a psicanálise, sua compreensão acerca da libido foi uma era de uma contribuição ao desenvolvimento pensamento psicanalítico. No entanto, a recepção das novas idéias acerca libido, presentes no Metamorfoses foi a pior possível. Freud se absteve de comentar o livro, delegando a Sándor  Ferenczi a tarefa fazer refutar e desqualificar o trabalho de Jung, reafirmando a ortodoxia freudiana. Ao final, Ferenczi afirma que

A impressão geral que extraímos da leitura de Metamorfoses e símbolos da Libido é que Jung  não se ocupa  de uma ciência propriamente indutiva, mas de uma sistematização filosófica, com todas as vantagens e inconvenientes de uma abordagem desse gênero. A principal vantagem apresentada é o apaziguamento do espírito, o qual, dando por resolvida a questão principal do ser, livra-se dos tormentos da incerteza e pode deixar tranquilamente para outros o cuidado de preencher as lacunas do sistema.(FERENCZI, 1992,p 102-3).

A libido percebida “ponto de visa energético”, marcou o inicio do fim da fase psicanalítica de Jung (o final dessa fase se deu em 1914). O que deve ficar claro, é nunca houve uma negação acerca do caráter sexual da libido, mas, uma ampliação que também abarcava a libido de Freud.

Jung deu formato “final” a sua teoria da libido em 1928. Apesar da importância  a teoria libido acaba por ocupar um lugar secundário, quando comparada as grandes formulações teóricas de Jung, segundo Perrone,

Sua obra se distribui em duas vertentes principais:  as das três grandes formulações teóricas que são a teoria dos complexos, os tipos psicológicos e os arquétipos do inconsciente coletivo, de um lado, e um questionamento incessante das “ condições de possibilidade da psicologia”, de outro. (…) Há autores que consideram o processo de individuação como sendo , em si, a quarta formulação da teoria junguiana enquanto outros a inserem no desdobramento de seu pensamento. A teoria da energia psíquica, de 1928, embora importante instrumento da reflexão junguiana, não se alinha no mesmo nível das anteriores. (PERRONE, 2008, p. 9-10)

A Teoria da “Energia Psíquica” tem como foco a compreensão dadinâmica da psique. Quando Jung optou em deixar o ponto de vista freudiano, ele adotou uma compreensão finalista ou teleológicaacerca da energia psíquica. Isso significa dizer, que Jung parte do efeito (do que foi manifesto) para compreender a causa. Diferente da postura freudiana, que partia da causa para o efeito, isso compreendendo que a causa estaria sempre atrelada a um princípio teórico, no caso a teoria da sexualidade. Ao partir do que é manifesto(efeito), Jung pode verificar que nem tudo é derivado de uma função sexual e, somado ao fato de não se poderia afirmar inequivocamente que a natureza da libido é sexual, ele adotou a concepção neutra e mais ampla de “energia” tomando emprestado da física este conceito. 

Ao adotar ponto de vista energético, não pode afirmar os atributos ou qualidades da energia psíquica em sua origem, apenas podemos compreende-la em sua manifestação final, assim, a esse respeito o que se pode observar é a quantidade de energia envolvida no fenômeno, dada a intensidade.

Para compreender a afirmação acima devemos lembrar, que durante quase toda primeira década do século XX, Jung esteve envolvido com os testes de associação de palavras. O princípio básico desse teste, era avaliar o tempo de reação(ou resposta) a uma palavra estímulo. O que Jung e sua equipe descobriram que havia uma manifestação que prejudicava o tempo de resposta para algumas palavras, essa manifestação ou fenômeno não só estava fora do controle da consciência, como também prejudicava a consciência. Foi observado que esse fenômeno que gerava as perturbações (alteração no tempo ou bloqueio da associação) estavam associado emocionalmente ao conjunto de idéias, lembranças, pensamentos que estavam do campo da consciência, passando a serem compreendidos como complexos de tonalidade afetiva.

Jung e sua equipe estudaram as manifestações dos complexos em diferentes níveis, desde o tempo de reação até as alterações fisiológicas na respiração e na condutibilidade elétrica da pele com o uso de galvanômetro. Dessa forma, quando Jung se refere aintensidade do fenômeno psíquico, ele nos remete aos seus estudos experimentais, não é apenas um ponto de vista teórico. A intensidade de manifestação de um fenômeno vai sempre indicar uma maior ou menor quantidade de energia investida naquele processo.

Ao estudar tanto os fenômenos oriundos dos experimentos de associações quanto na prática da clínica psiquiátrica, ficou clara para Jung a hipótese de uma zona psíquica fora do domínio da consciência, isto é, o inconsciente. Bem, como que o fato de que a relação entre a consciência e o inconsciente poderia ser compreendida/descrita pela energia em trânsito entre essas duas instâncias. Assim, a partir das relações entre a consciência e o inconsciente Jung percebeu que poderia se fazer uma analogia com os fenômenos descritos pela física, algo que já vinha sendo apontado por outros autores como, p. ex.,  Theodore Lipps, von Grot, Busse.

Jung compreendeu que para se ter uma noção apropriada da psique num modelo teórico, deveríamos considera-la um sistema energético relativamente fechado, supondo, assim, que a energia contida nesse sistema seria teoricamente sempre a mesma, o que variaria seria a distribuição da energia entre as instâncias inconsciente(ics) e consciência(cs).

Desse modo, a vida psíquica ou a saúde psíquica  pode ser compreendida como o fluir da energia entre o sistema psíquico formado pelo inconsciente  a consciência. Quando ocorre um desequilibro, uma distribuição inadequada ou o bloqueio da distribuição dessa energia psíquica, ocorre o que podemos compreender como o adoecimento psíquico.  Para que isso fique claro, devemos buscar a distinção de energia psíquica e força psíquica,

Devemos a LIPPS uma diferenciação entre o conceito de energia psíquica e o de força psíquica. Para LIPPS a força psíquica é a possibilidade de que na alma surjam processos que alcancem um determinado grau de eficácia. A energia psíquica, ao invés, é “a possibilidade, inclusa nos próprios processos, de que esta força passe a atuar”.(Jung,1999, p.14),

Assim, a energia psíquica é uma condição para que haja força psíquica para a realização de um trabalho ou processo psíquico. Por exemplo, quando uma pessoa com depressão afirma que ela não possui vontade de fazer nada, significa que não há energia psíquica disponível na consciência para ser convertida em força psíquica, isto é, em vontade, para que seja realizada uma atividade.

A teoria da energia psíquica compreende os princípios fundamentais da dinâmica psíquica na abordagem junguiana. De forma geral, podemos percebe-la como pano de fundo em todas construções teóricas de Jung. Por exemplo, se falamos da relação de um complexo constelado com o Ego, estamos falando de uma relação energética.

Na constelação, a energia do complexo, que é superior, flui para o eu que, como centro da consciência é invadido pelo inconsciente. O eu, desestabilizado em algum grau, tem a tarefa de procurar conter a invasão de energia, o que nem sempre é possível. Precisará de força e determinação para canalizar essa energia excedente para alguma direção construtiva. (PERRONE, 2008,p.84)

A incapacidade do ego em lidar com essa invasão de forma construtiva será a base onde se desenvolverá o sintoma.

I – Energia Psíquica ou Libido

Jung adota o termo “energia psíquica” para tornar mais claro o que ele entendia por “libido” – termo utilizado por Freud – assim, a “energia psíquica” e “libido” são equivalentes. A energia psíquica ou libido é, simultaneamente, o “psiquismo” e o  “combustível” que movimenta o psiquismo. Isso significa dizer, que tudo o que o que percebemos e chamamos de psiquismo é a energia psíquica  em diferentes níveis de organização. As ações e os processos psíquicos dependem de energia disponível ou da transformação da energia de um nível para outro.

Para melhor explicar sua compreensão acerca da energia psíquica, Jung busca como referencial o conceito de energia da física, de onde compreende que a “idéia de energia não é a de uma substancia que se movimenta no espaço, mas um conceito abstraído das relações de movimento. Suas bases não são, por conseguinte, as substâncias como tais, mas suas relações” (JUNG, 1999, p.3) Para se compreender a energia deve se observar qual sua finalidade ou destinação para assim poder avaliá-la ou mensurá-la. A energia em si, não é um conceito tangível, mas sua forma de manifestação como, por exemplo, trabalho, calor, luz, eletricidade dentre outros.

Do mesmo modo, Jung compreendeu que aplicando o conceito de energia ao psiquismo, como energia psíquica, seria necessário mudar a compreensão original de libido de Freud, que compreendia sob o aspecto exclusivamente sexual. Para Jung, a energia psíquica seria sexual quando assumisse um aspecto relacionado com a sexualidade, o que de certa forma seria o aspecto qualitativo, contudo, não seria o único aspecto qualitativo da energia psíquica, pois ela poderia se manifestar em necessidade de auto-preservação, fome, inserção social. Esses aspectos refletiam apenas a forma de energia. Por outro lado, deveria também se observar a intensidade com a qual a energia se manifestava, que seria o aspecto quantitativo da energia.

Ao adotar uma compreensão energética do psiquismo, Jung propõe que a dinâmica psíquica seja compreendida pela sua finalidade, e não apenas por sua causa, como Freud propunha. Isto porque a “causa” no geral é inconsciente (por definição, desconhecido). O caráter final ou finalista é a manifestação da dinâmica psíquica, isto é, é um elemento mais seguro para fazermos quaisquer afirmações sobre a dinâmica psíquica

II – Progressão e Regressão

Os conceitos de Progressão e Regressão estão relacionados com o movimento da energia psíquica entre a consciência e o inconsciente. Na progressão a energia flui do inconsciente para a consciência para atender as necessidades de adaptação ao meio externo; enquanto na regressão a energia flui para o inconsciente para atender as necessidades internas.

A progressão enquanto processo contínuo de adaptação às exigências do mundo ambiente assenta na necessidade vital de adaptação. A necessidade compele o individuo a se orientar inteiramente para as condições do mundo ambiente e a reprimir aquelas tendências e virtualidades que servem ao processo de individuação.

A regressão, ao invés, enquanto adaptação às condições do próprio mundo interior assenta na necessidade vital de satisfazer as exigências da individuação. (JUNG, 1999, p. 37-8)

III – Princípios da conservação de energia  e equivalência

Como dissemos no primeiro post, para construir um modelo teórico da dinâmica da psique, com uma concepção energética, Jung partiu do principio, de que a energia psíquica se comportaria do mesmo modo que a energia física. Desse modo, os princípios de conservação de energia, o de equivalência e de constância,  nos dariam parâmetros para pensar a dinâmica da energia psíquica no psiquismo.

O princípio de equivalência indica

que, para qualquer quantidade de energia utilizada em um ponto qualquer, para se produzir uma determinada condição, surge em outro ponto igual quantidade dessa mesma ou de outra foram de energia”. O princípio de constância, pelo contrário, indica “que a energia total permanece sempre igual a si mesma, sendo, por conseguinte, incapaz de aumentar ou diminuir”. (Ibid, p. 17)

Como o psiquismo é compreendido como um sistema relativamente fechado, os princípios de conservação da energia, possibilitam compreender a dinâmica e a relação de complementaridade que existe entre o inconsciente e a consciência. Isto é, qualquer fenômeno que se manifeste na consciência irá gerar um fenômeno oposto de mesma intensidade no inconsciente.

Esta compreensão do princípio de equivalência e constância é importante para compreendermos a dinâmica de psicopatologia, pois toda manifestação do inconsciente está relacionada a uma ação da consciência. E, esta dinâmica se manifesta na busca pela entropia do sistema psíquico.

IV – Entropia

O principio de entropia é complementar aos de conservação de energia. Segundo o princípio entropia  a energia fluiria num sistema, de acordo com a diferença de potencial, de modo que as oscilações produzidas nesse movimento vão buscar o equilíbrio, que significaria o fim da dinâmica energética. Contudo, o fim da dinâmica energética só é possível em sistemas fechados (que não existem na natureza).

No sistema psíquico, a entropia é percebida como a tendência pela busca de um equilíbrio psíquico, entre o inconsciente e a consciência.A entropia é um princípio complementar o princípio de constância, mas indica que sempre haverá um movimento em busca do equilíbrio.

A entropia é uma dinâmica energética e, assim, quantitativa que vai estar subjacente aos conceitos de enantiodromia, metanóia e compensação, que veremos mais adiante.

V – Enantiodromia e Metanóia

Jung adotou o termo “enantiodromia” em referencia ao princípio que foi esboçado por Heráclito, “correr para o outro oposto”. Isto é, quando há uma excessiva concentração energética em um ponto, a energia tende a buscar o ponto oposto como uma forma de manter o equilíbrio. Por exemplo, uma atitude excessivamente unilateral do Ego, pode ativar no inconsciente o princípio contrário. De forma que “ a tendência a renegar todos os valores anteriores para favorecer o seu contrário é tão exagerada quanto a unilateralidade anterior” (Jung, 2001,p.67)

A Enatiodromia é um processo inconsciente de mudança de perspectiva, onde o oposto negado, emerge se impondo a atitude da consciência. Geralmente, isto ocorre relacionado com sintomas neuróticos.

A Metanóia significa “mudança de pensamento” ou “mudança de caminho”. A metanóia é um processo característico do processo de individuação. A metanóia “não se trata de uma conversão no seu contrario, mas de uma conservação dos antigos valores, acrescidos de um reconhecimento do seu contrário.” (JUNG, 2001, p.68). A diferença fundamental entre a enantiodromia e a metanóia está na participação da consciência. Enquanto na enantiodromia o movimento em busca do oposto puramente inconsciente, já na metanóia a busca pelo oposto, ocorre com uma participação da ativa da consciência, num movimento de integração do oposto, mas sem perder os valores anteriores.

Dessa forma, a metanóia é o processo da enantiodromia que se desenvolve num sentido mais amplo, envolvendo a consciência no processo de individuação.

VI – Compensação

(O conceito de compensação foi discutido no post “Alguns comentários sobre o conceito de “Compensação”. Aqui fazemos um breve resumo.)

Ao falamos de entropia, de enantiodromia e metanóia, nós nos falamos de um processo psíquico de busca pelo equilíbrio no sistema consciente-inconsciente. De forma geral, o movimento para equilibrar o sistema psíquico parte do inconsciente buscando equilibrar ou corrigir a atitude da consciência. Esse movimento de busca por um equilíbrio Jung chamou de compensação, em referencia a um conceito de Adler. Sobre o conceito de compensação, Jung escreveu

considero-o em geral como equilibração funcional, como auto-regulação do aparelho psíquico. Nesse sentido, considero a atividade do inconsciente como equilibração da unilateralidade da atitude geral, causada pela função da consciência. (JUNG, 1991, p. 399)

Assim, toda atividade inconsciente que visa complementar atitude consciência(seja para corrigir ou para reforçar) é uma compensação. Desse modo, as formações do inconsciente como os sonhos, atos falhos, chistes são atividades compensatórias naturais.

Via de regra, a compensação pelo inconsciente não é um contraste, mas uma equilibração ou complementação da orientação consciente. O inconsciente dá, por exemplo, no sonho, todos os conteúdos constelados para a situação consciente, mas inibidos pela seleção consciente, cujo conhecimento seria indispensável para a consciência se adaptar plenamente.

Em situação normal, a compensação é inconsciente, isto é, atua de forma inconscientemente reguladora sobra a atividade consciente. Na neurose, o inconsciente está em contraste tão forte com a consciência que a compensação fica prejudicada. Por isso a terapia analítica procura um conscientização de conteúdos inconscientes para restabelecer a compensação. (JUNG, 1991, p.400)

VII – Símbolos

Em outro post “Algumas palavras sobre símbolos e função transcendente” falamos sobre os símbolos. Aqui vamos focar brevemente o papel dos símbolos na dinâmica energética.

Os símbolos ocupam um papel fundamental na dinâmica psíquica, pois, é através deles que a energia psíquica pode se movimentar na psique. Segundo  Byington o símbolo “aglutina a energia psíquica e redistribui de maneira a transformar os processos inconscientes em conscientes e vice-versa(…)” (BYINGTON, 1983, p. 10).

Muitas vezes, compreendemos os símbolos como “algo que que visualizamos”, contudo, os símbolos são toda e qualquer atividade, situação ou objeto (internos ou externos) que possua uma analogia com alguma dinâmica inconsciente. É justamente essa analogia é o que faz com que a energia psíquica inconsciente flua para a consciência onde será disponibilizada ao Ego, isto é, numa pessoa saudável. Por exemplo, um individuo que precisa tomar uma decisão difícil e, titubeia, e de repente vem a mente uma lembrança de uma conselho ou fala de dado por uma pessoa querida, e a partir dessa lembrança, o individuo se sente seguro para tomar a decisão. Uma situação mais comum, seria um individuo religioso que frente a uma adversidade, ora ou reza, a conseguir força para seguir em frente.

Numa pessoa com uma neurose estabelecida, por exemplo, um transtorno obsessivo compulsivo, a consciência tenta impedir de todas as formas que conteúdos do inconsciente invadam a consciência, os atos obsessivos ou rituais, são símbolos que possibilitam que a consciência tenha energia para, temporariamente, manter esses conteúdos inconscientes afastados.

Desde modo, a dinâmica psíquica estará sempre relacionada aos processos simbólicos, isto é, uma pessoa empobrecida em sua vida simbólica, terá mais dificuldades para enfrentar a realidade, a vida e o inconsciente.

Referências Bibliográficas

Referencias Bibliográficas

JUNG, C.G. Freud e a Psicanálise. Petrópolis: Vozes, 1989.

________ Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes, 1999

FERENCZI, S. Obras Completas – Psicanálise II.  São Paulo: Martins Fontes, 1992.

PERRONE, M.P.M.S.B.  Complexo: conceito fundante na construção da psicologia de  Carl Gustav Jung, 2008,155f. Tese (Doutorado em Psicologia) – Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2008.

BYINGTON,C.A.B. O DESENVOLVIMENTO SIMBÓLICO DA PERSONALIDADE, in JUNGUIANA – Revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, 1983.

JUNG, C.G, A Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes, 7ed. 1999

_______________. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 13ed. 2001.

________________. Tipos Psicológicos, Vozes, Petrópolis, 1991.

______________. A Vida Simbólica v.1. Petrópolis: Vozes, 2ed. 2000a.

______________. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 5. Ed. 2000b.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Um Novo Ano: Tempo de Recomeçar

 

25 de dezembro de 2010

Estamos chegando a mais um final de ano. Em toda parte vemos preparativos para saudar a chegada do próximo ano. É uma época interessante, pois, são feitas reflexões(retrospectivas) do ano que passou e planejamentos/desejos para o ano que se inicia. O “dia de ano”, “ano novo” ou “reveillon” são repletos de tradições, festejos e simpatias para se “garantir” um ano melhor.

É interessante pensar que as festividades de ano novo não são peculiaridades de nossa cultura ocidental, muito pelo contrário, as festividades e ritos de passagem de ano são amplamente difundidas pelas mais diferentes tradições e culturas.

O que chamamos de “Ano” é um período de tempo, ou mais propriamente, um ciclo de tempo. Em nossa cultura cristã adotamos um calendário gregoriano, que pois prosposto pelo Papa Gregório XIII, para adequar o calendário romano. Que se baseia na observação do sol, cujo ciclo, isto é, o tempo que a Terra leva para realizar seu movimento em torno do sol, que é de 365,25 dias (os decimais deram origem aos anos bissextos).

O mundo ocidental adota amplamente esse calendário, contudo, convivemos ainda hoje com outros calendários podem seguir outras referencias como as fases da Lua, que são calendários Lunares, como o calendario Islâmico e o Hebraico, o calendário chinês usa tanto as referencias da lua quanto do sol, sendo chamado de calendário lunissolar.

Assim, nós ocidentais cristãos iremos comemorar na proxima semana, dia 31 de dezembro o fechamento do ano (solar), do ano de 2010 (da era cristã). Se fossemos fazer uma equivalencia, os judeus comemorarão em setembro, o inicio do ano 5772. Somente em novembro os muçulmanos entrarão no ano 1433 da Hégira, os chineses festejarão em fevereiro a entrada de um novo ano, o ano do coelho.

Outros povos marcam o ciclo do tempo de forma mais simples, como “as estação das chuvas” e “a estação da seca”.  O “ciclo do ano” tem uma função prática e outra espiritual, a prática está relacionado com os processos da agricultura, das estações, com a organização de todas as atividades humanas. Por outro lado, em muitas culturas o ano está associado as práticas religiosas, isto é, ao (re)inicio das atividades religiosas, como no calendário judaico. Em nossa cultura, a relação do tempo e religião é um pouco dissociada, pois, por exemplo, no catolicismo o ano litúrgico começa com primeiro domingo do advento (cerca de 4 semanas antes do Natal) e termina no sábado anterior ao advento.

O “ciclo de um Ano” expressa um tema mítico importante : a renovação ou regeneração do tempo. Os sistemas religiosos estão amplamente relacionados com a temática da regeneração do tempo, isto é, do reinício. Pois é a partir dessa possibilidade,  é que se pode experimentar a realidade mítica, através dos ritos (são a atualização dos mitos, cf. Eliade, O sagrado e o Profano).

Segundo Mircea Eliade,

Para nós, o fato essencial é que em toda parte existe uma concepção de final e de começo de um período de tempo, baseada na observação dos ritmos cósmicos e que faz parte de um sistema mais abrangente — o sistema de purificações periódicas (cf. expurgos, jejum, confissão dos pecados, etc.) e de regeneração periódica da vida. Essa necessidade de uma regeneração periódica nos parece ser de considerável significado em si mesma. No entanto, os exemplos que deveremos apresentar adiante vão nos mostrar algo ainda mais importante, ou seja, que uma regeneração periódica do tempo pressupõe, de um modo mais ou menos explícito — e, em especial, nas civilizações históricas — , uma nova criação, ou seja, uma repetição do ato cosmogônico. E essa idéia de uma criação periódica, isto é, da regeneração cíclica do tempo, levanta o problema da abolição da “história”, problema que representa nossa preocupação principal neste ensaio. (ELIADE, p.58)

A renovação do tempo é uma renovação da vida. As celebrações de ano novo figuram a possibilidade de se criar possibilidades melhores um próximo ano. Temos o dito popular do “ano novo, vida nova”.

Essa temática arquetípica da renovação do tempo/vida deve ser especialmente observada pelo psicólogo clínico. Pois, essa temática encontra-se justamente nos alicerces da prática da psicoterapia. Pois, a psicoterapia se sustenta somente quando representar(em geral, de modo inconsciente) a possibilidade de transformação e mudança de vida, isto é, se coloca como um rito renovação ou regeneração da vida do cliente. É nesse sentido, que Jung diz que

uma das muitas significações importantes da transferência: por meio dela o paciente se agarra à pessoa que parece lhe prometer uma renovação da atitude; com a transferência, ele procura esta mudança que lhe é vital, embora não tome consciência disto. Para  o paciente, o médico tem o caráter de figura indispensável e absolutamente necessária para a vida”(JUNG, 2000, p. 6)

Há em cada um de nós o potencial de renovação, muitas vezes, imerso em nosso inconsciente. Esse potencial arquetípico pode favorecer o processo de renovação, pode também, se tornar um empecilho pela pressa, medo,  afobação ou mesmo pela confusão características do caos cosmogônico. Esses fenômenos são caracteristicos desse impulso a renovação, caberia ao terapeuta auxiliar o cliente a suportar essa tensão, para permitir o tempo próprio das coisas (lembrando que no mito cosmogônico judaico-cristão, o mundo foi criado em 6 dias.)

O passagem de um ano ou o “dia de ano” é importante e nos afeta de formas diversas (uns esperança e alegria e outros com angústia) pois,  nos confronta com o tempo interior.

Muitas vezes, nos atemos tanto a realidade exterior e esquecemos que nosso tempo interior não é contado pelo calendário comum. E, nos esquecemos que nossas decisões e ações  podem marcar o fim e o inicio de um novo ciclo em nossas vidas. Jung tem uma afirmação que é muito pertinente, segundo o mesmo “A vida tem de ser conquistada sempre e de novo.” (JUNG, 2000, p.5-6)

Acima falamos de vários calendários, onde o “Ano Novo” começa em datas diferentes. O mesmo vale para nossa vida particular. O inicio,  o fim e o reinicio de um ciclo em nossas vida compete cada um de nós delimitar. O Ano Novo de nossas vidas vem se construindo silenciosamente, a tarefa difícil é reconhecê-lo e celebra-lo com nossas ações.

Na próxima semana comemoraremos mais um Ano Novo.  Espero que este novo ano seja repleto de realizações e felicidades! Abraços a todos!

Feliz 2011!

Referencias:

Acerca dos calendários :

WIKIPEDIA, Calendárioshttp://pt.wikipedia.org/wiki/Categoria:Calend%C3%A1rios acessado em 26 de dezembro 2010.

_____. Mito do eterno retorno. São Paulo : Mercuryo, 1992.

JUNG, NAtureza da Psique, Vozes: Petropolis, RJ. 2000

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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“Então é Natal, e o que você tem feito?” – algumas reflexões

 

21 de dezembro 2010

Em 1975 , Jonh Lennon gravou “Happy Christmass (War is over)” que se tornou uma das músicas mais importantes de Natal, com versões em todo o mundo. Ele começa sua musica com um questionamento interessante,

“Então é natal,

e o que você tem feito?”

Essa uma questão muito pertinente que atravessa os vários natais vivemos. Pode parecer estranho falar em natais, mas, de fato, temos diferentes realidades que nos remetem ao dia 25 de dezembro. Apesar de serem distintos, a linha que os separa é muito tênue, afinal, são todos natais.  E quais são eles?

O primeiro é o Natal Cristão –  que seria, em nossa cultura, o “Natal” original, lembrando que natal vem do latim natalis que é derivado do verbo nascor, que é nascer. Assim, é bem claro e difundido que o Natal é uma clara referencia ao nascimento de Jesus Cristo. No natal cristão celebra-se, com o nascimento de Cristo, o nascimento da esperança de salvação. Para a cristandade, o natal marca a mudança na relação do homem com Deus, como diz do texto bíblico “Aquele que é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade.”Jo.  1:14 (NVI). Deus se fez carne e estabeleceu uma relação uma com os homens, relação esta que culminou com no sacrifício de Cristo para selar essa relação, marcando assim pela “salvação dos homens”. Independente das relações e questionamentos feitos do natal com mitraísmo, para o cristão o  Natal é um dos mais importantes “mistérios cristãos” que simboliza o nascimento da esperança e da possibilidade de transformação, pois é seguido de um novo ano.

O Segundo é o Natal da confraternizaçãoApesar de ser inspirado no que chamei de “Natal Cristão”, o natal da confraternização não tem um caráter religioso, mas, um caráter afetivo e social, onde paramos para estar com as pessoas que amamos. Essas confraternizações se desenrolam ao longo do mês de dezembro e culminam com a reunião familiar de natal. Muitas vezes, não guarda tanta relação com a religião.Esse natal é importante por possibilitar um momento onde as pessoas podem, em nome de um “espirito natalino”, apaziguar qualquer questão ou problema surgido ao longo do ano.

O Terceiro é o Natal das Compras – Esse é o natal do “papai Noel”. Onde há o imperativo de compras, de consumo. É interessante, que esse natal está relacionado com os dois anteriores pois, há uma esperança de fartura e de um futuro melhor (do natal cristão) somado com a possibilidade de expressar afeto pelas pessoas pessoas queridas com presentes. É interessante, que não podemos apenas criticar essa forma de natal, pois, é o período do ano, com as promoções, muitas famílias encontram condições para melhorar a qualidade de vida.

Essas três formas de natal caminham juntas. Não dá para dizer qual é a correta, como disse, elas se interpenetram. Contudo,  a questão de Jonh Lennon continua

“Então é natal,

e o que você tem feito?”

Independente do natal que vivamos predominantemente, devemos nos atentar para as outras formas. Devemos, refletir que vida que vivemos, ou “ o que temos feito”, justamente para pensarmos a “vida que queremos’” e “o que devemos fazer”.

As vezes, nos vemos tão pressionados com os “eventos natalinos”, com a “angustiante alegria” de natal, com a necessidade de se estar com pessoas amadas e nos esquecemos que o Natal é apenas o inicio. É a vida nasce, é a esperança que nasce. Muitos questionam a validade do dia “25 de dezembro” alegando que não é uma data originalmente cristã e que Jesus não nasceu nessa data, mas, eu acredito que o 25 de dezembro foi um escolha mais que feliz para a celebração do nascimento de Cristo. Isso porque, para os povos pré-cristãos da Europa, o dia 25 de dezembro estava associado ao Solstício de Inverno do hemisfério norte, e era a noite do dia 24 mais longa do ano e, assim, havia festejos com nascer do sol, isto é, o sol que vence as trevas, o nascer do dia era o nascer da esperança.  Quando a cristandade adota o dia 25 de dezembro como Natal de Cristo, há também a conotação de esperança, pois, assim como o Sol vence as trevas da noite,  Cristo também atravessa e vence os três dias de trevas da morte e ressuscita. É o nascimento da esperança.

O nascimento e a ressurreição de Cristo são faces do mesmo mistério, que nos fala de esperança e recomeço.

Mas, então é natal. O que você precisa fazer? Precisa se reencontrar com Deus? Precisa se acertar com sua família? Precisa expressar seu amor por meio de um presente? E o que você tem feito?

Às vezes, pensamos demais e agimos de menos. Às vezes achamos que fazemos tudo errado. Mas, agora isso não importa, porque é Natal. E a alegria do Natal é a esperança do recomeço, de que tudo vai dar certo! O nascimento de Cristo, para a cristandade, traz a certeza que Deus caminhou/caminha ao lado do homem. E tudo é possível. Assim, mesmo que estejamos imersos numa longa noite da vida, o natal é um símbolo vivo que o amanhecer vem. Basta ter esperança.

Feliz Natal!

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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“Por que estudar Mitologia?”

 

9 de dezembro de 2010

Essa pergunta com a qual inicio esse post, já me fizeram várias vezes. Eu gostaria de começar a responder essa pergunta relembrando um encontro de Nise da Silveira com Jung, onde a própria Nise nos relata que,

sentada diante do mestre no seu gabinete de trabalho, junto á larga janela com vista sobre o lago, falei-lhe do desejo de aprofundar meu trabalho no hospital psiquiátrico, de minhas dificuldades de autodidata.
Ele me ouvia muito atento. Perguntou-me de repente:

– Você estuda mitologia? 

Não, eu não estudava mitologia.

– Pois se você não conhecer mitologia nunca entenderá os delírios de seus doentes, nem penetrará na significação das imagens que eles desenhem ou pintem. Os mitos são manifestações originais da estrutura básica da psique.Por isso seu estudo deveria ser matéria fundamental para a prática psiquiátrica. (Silveira apud MOTTA, 2005, p. 73).

Nesse encontro Jung indicou que a Mitologia seria uma chave importante para se compreender a dinâmica da psique.

Mitos e Mitologias

Pessoalmente, eu não conheço uma definição de mito que seja “suficiente”.  Talvez seja, porque mito não seja um conceito, mas, uma noção, uma aproximação a uma dinâmica que não se curva a nossa linguagem denotativa. Por isso, Jospeh Campbell (2004) afirma que os mitos são metáforas.  Com essa afirmação, Campbell nos oferece a primeira chave para compreendermos o por que estudar a Mitologia.

Quando falamos em metáfora, devemos compreender que metáfora é uma figura de linguagem onde há uma relação entre dois termos, sem o uso de um conectivo, isto é, é uma comparação baseada na equivalência dos dois termos, por exemplo :

João é um touro

Nessa afirmação, podemos perceber que a metáfora é como uma zona intermediaria entre “João” e “touro”, onde o segundo termo qualifica, explica e atribui sentido o primeiro termo.

A metáfora a qual Campbell se refere, nos remete a um passado distante, no passado onde a psique humana estava ainda identificada com a natureza. Não havia uma consciência clara que distinguisse os processos internos e externos.Essa unidade original, onde a natureza(ou mesmo o grupo) é extensão do individuo. É nesse passado que os mitos nascem. É interessante considerarmos que os mitos surgem dessa união  ou identidade entre o individuo com o mundo exterior, dessa forma, é um equivoco achar que os mitos são uma forma de “explicar” a natureza, mas, sim um processo de compreensão mútua, pois, o homem se compreendia na medida em que compreendia a natureza, atribuindo significado não só ao mundo exterior, mas, também a si mesmo na relação com este mundo.

Ainda hoje, podemos perceber esses aspectos claramente nas criança pequenas e nos processos de projeção, onde o inconsciente pode “lançar” imagens interiores sobre o mundo exterior, atribuindo um novo significado os objetos. Por outro lado, podemos perceber essa relação por meio da introjeção de imagens, nos são reapresentadas nos sonhos, sintomas e fantasias.

O inconsciente em suas profundezas arquetípicas mantém até hoje essa dinâmica de identidade com o mundo exterior, ao que Campbell denominou como metáforas, dado o estilo lingüístico de equivalência, a psicologia analítica chama símbolos. Outras abordagens, como a Hipnose Ericksoniana tem como seu elemento básico de trabalho o uso da linguagem metafórica como forma de promover uma comunicação com o inconsciente. As metáforas terapêuticas de Erickson são correspondentes aos símbolos na terminologia junguiana.

Outra importante chave para compreender os mitos nos é oferecida por Mircea Eliade, segundo ele

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que  teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são  deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gesta constituem mistérios: o  homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é pois a história do que se passou  in illo tempore, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo.(…)

A função mais importante do mito é, pois,  “fixar” os modelos exemplares de todos os ritos e de todas as atividades humanas significativas: alimentação, sexualidade, trabalho, educação etc. Comportando se como ser humano plenamente responsável, o homem imita os gestos exemplares dos deuses, repete as ações deles,  quer se trate de uma simples função fisiológica, como a alimentação, quer de uma atividade social, econômica, cultural, militar etc. (ELIADE, 1992, 50-2)

Segundo Mircea Eliade, os mitos são modelos exemplares, isto é, os mitos são narrativas que oferecem modelos testados ao longo da história da cultura, que permite que o individuo tenha um referencial de ação. Em alguns casos, o mito pode estar imbuído de um conteúdo prática (como por exemplo, como que os deuses ou o herói fundador criou o arco e a flecha, e como devemos fazer) ou um conteúdo moral que orienta as atividades e a divisão do trabalho e da sociedade, dando coesão ao grupo.

A narrativa mítica é composta por um história com inicio meio e fim, isto é, com causas e consequências. que instruem os indivíduos. Em outro post, sobre a “A função psicologia da religião”  eu fiz alguns comentários importantes para se pensar a mitologia/religião.

Joseph Campbell(2002) nos dá uma boa perspectiva da amplitude da função da religião quando ao discutir a função dos mitos (lembrando que segundo Campbell, “mitologia é como chamamos a religião dos outros”), segundo ele, são quatro as funções básicas da mitologia/religião:

1 – Função Mística ou Metafísica

2 – Função Cosmológica

3 – Função Social

4- Função Pedagógica

A função mística ou metafísica corresponde a abertura ao desconhecido, ao mistério da vida e da morte. Através da religiões o homem amplia sua percepção do mundo, integrando a sua vivência uma realidade que está para além dos percepção sensorial – um mundo eterno, espiritual; libertando a psique humana do condicionamento do tempo e espaço.  Isso é importante, pois, essa função também se reflete como uma  abertura ao inconsciente, a criatividade e imaginação. Que são elementos importantes para o equilíbrio dinâmico da psique.

A segunda, a função cosmológica da religião oferece ao homem uma perspectiva sobre o universo e situa o no mesmo. Essa função geralmente foi mal compreendida afirmando que as mitologias e religiões eram uma proto-ciência, uma tentativa de explicar o mundo. As narrativas sobre a origem do universo, dos deuses, dos homens, de como surgiram os instrumentos, etc…não tinham o objetivo de uma explicação “científica”, mas, sim atribuir sentido e significado ao universo que circunda o homem, colocando-o nessa teia da vida. :Se na primeira função indica que há algo para além da percepção, nessa segunda função o homem toma parte desse mundo sobrenatural, percebendo qual é o seu lugar na existência.

A função social da religião se relaciona com o grupo social. Toda religião vai indicar certas regras de convívio social, geralmente, justificando e reforçando os conceitos morais e organizacionais de um grupo, visando a sobrevivência do mesmo, a religião se constitui um elemento de identidade, dando coesão ao grupo

A quarta, é função pedagógica. A religião se apresenta como pedagógica na medida que orienta as ações e comportamentos dos indivíduos em cada etapa da vida. As narrativas religiosas oferecem ao individuo referencias para se organizar frente ao mundo e as dificuldades, para fazer suas escolhas e tomar suas decisões. Em cada etapa da vida, o individuo é cercado por referências (narrativas/mitos) que o prepara para a vida e para morte. As quatro funções são interligadas, pois, uma leva a outra, oferecendo um solo relativamente firme sobre o qual o individuo pode se organizar e viver. Essas quatro funções nos auxiliam a perceber como a  religião pode atuar psique. (MORAES, 2010)

Mitologia e Psicologia Analítica

Em sua prática clínica, Jung observou que tanto os delírios dos pacientes psicóticos quanto os sonhos de pacientes neuróticos podiam se encontrar um aspecto mítico, isto é, alguns aspectos dos sonhos eram similares as imagens e narrativas constantes em diferentes mitologias. A partir desses estudos, Jung pode, posteriormente, formular sua teoria acerca dos arquétipos.

Jung compreendeu que esses sonhos e delírios com aspecto mitológico teriam origem na mesma camada (mais profunda da psique) que deu origem também aos mitos, esta camada seria o inconsciente coletivo.

O Inconsciente coletivo é formado pelos arquétipos, que são padrões de organização psíquica, que podem se manifestar tanto como ações quanto imagens. Os arquétipos correspondem a estrutura básica do psiquismo e, teoricamente, esses padrões não mudaram nos últimos milhares de anos. A vida humana passou por várias transformações em seu aspecto formal, mas, em sua essência continuamos com as mesmas necessidades comuns a vida humana.

Poderíamos compreender os mitos como uma projeção das experiências humanas mais fundamentais(arquetípicas) na consciência coletiva e que foram elaboradas ao longo dos séculos. Os mitos expressam os arquétipos na cultura, através dos mitos podemos ter acesso ao “mundo dos arquétipos” de forma natural, sem ser permeado pela doença ou pela psicopatologia.

O conhecimento dos mitos, nos permite compreender a dinâmica do arquétipo, isto é, nos possibilita compreender as possibilidades e variações das representações arquetípicas, o que significa que através dessas repesentações (que são coletivas) podemos identificar esses padrões em sua manifestação pessoal, isto é, nos complexos, o que nos permite perceber quais complexos estão mais ativos.

Os mitos nos oferecem uma visão global da psique humana, assim, partimos do que seria mais coletivo para o que é individual e único.

E como estudar mitologia?

É fundamental entender que estudar mitologia não significa apenas “conhecer e contar histórias”.  Quando falamos em estudar mitos, nos referimos ao estudo aprofundado das diferentes narrativas acerca do mesmo tema buscando compreender a estrutura do mito, compreender a dinâmica do mito comparando-o com mitos de outras culturas que participam do mesmo tema, por exemplo, no ultimo post sobre o tema do  curador ferido, citamos três mitos diferentes (Obaluae, Quiron e Cristo)que possuem a mesma estrutura.

Um tema mítico não possui uma possibilidade de compreensão, mas, inúmeras já que eles indicam variações possíveis desse tema na vida humana, por exemplo, se tomarmos a maternidade teremos aspectos positivos e negativos – como toda mãe possui esses dois lados : um nutritivo, acolhedor, por outro lado, podem ser dominadoras, devoradas, que impedem o crescimento, severas que punem ou abandonam os filhos.

Tiamat (mitologia sumérica) : os filhos não foram nomeados, e ela tentou devorar os netos.

Gaia : Os filhos com Uranos, eram gerados em mantidos em seu próprio ventre, somente quando a incomodou que articulou com o filho mais novo, para afastar(castrando) o pai. Posteriormente, gerou com Tártaro, Tífão que quase destruiu seus filhos.

Afrodite : deusa do amor, mas, que não permitia que seu filho crescesse.

Nãnã : Orixá das águas paradas, é a mais antiga e respeitada das orixás. É uma mãe severa, há duas  narrativas que envolvem os aspectos da maternidade negativa de Nãnã, segundo uma narrativa dela pune o próprio filho Obaluae com a Varíola, e, em outra, ela abandona o filho devido sua doença, (este foi criado por Yemanjá)

Baba Yaga : Da mitologia européia, especialmente nos mitos/contos de fada Russos, é retratada como uma bruxa que atrapalha o caminho dos homens.

Esses exemplos, mostram que não basta um mito para compreender o mitema ou o arquétipo envolvido.

Assim, conhecer as narrativas e estabelecer comparações entre as narrativas é o primeiro passo para compreender a estrutura dos mitos, por outro lado, é importante compreender ampliar e focalizar os povos que produziram essas mitologias, compreendendo aspectos da história, geografia, cultura(ritos), estrutura social desses povos.

Alguns autores são importantes para começar esse estudo, como por exemplo, Mircea Eliade, Karl Kerényi, Joseph Campbell, Claude Levi-Strauss.

Referencias Bibliográficas

CAMPBELL, Joseph Isto é Tu, Landy: São Paulo,SP, 2004

Eliade, Mircea . O sagrado e o profano  –  A essência das religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1992.

MOTTA, Arnaldo Alves Psicologia Analítica no Brasil; contribuições para a sua história, São Paulo: PUC, Tese de mestrado, 2005.

MORAES, Fabricio , A função psicológica da religião, 2010, Jung no Espirito Santo. Acessado em 08/12/2010. no site:http://psicologiaanalitica.wordpress.com/2010/07/11/funo-psicolgica-da-religio/

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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Pensando Alguns aspectos do “curador ferido”

 

20 de novembro 2010

(Pequenas correções e ampliações em 09/12/2011)

Falar em relação terapêutica na abordagem junguiana implica, antes de tudo, em reconhecer o aspecto arquetípico que envolve o processo de psicoterapia ou relação terapêutica. Para fazer esse reconhecimento, em primeiro lugar, devemos lembrar que psicoterapia em sua origem etimológica significa “cuidado ou atenção com alma”. Tanto psicologia(especialmente, a clinica psicológica/psicoterapia) quanto a psiquiatria nasceram da necessidade nossa cultura em lidar com psique por uma via propriamente científica, pois esta era uma necessidade de nossa cultura. Entretanto, bem antes de Pinel, Wundt, Charcot, Freud e Jung o homem sofria do males da alma.

Antes de nossa concepção científica, o homem há milênios lidava com os “males ou sofrimentos da alma” por meio das religiões ou mais especificamente das práticas mágico-religiosas, praticas essas que em nosso meio “científico” desprezamos. Contudo, foi a partir dessas práticas mágico-religiosas que podemos ter uma perspectiva dos meios que a psique utilizava para se reorganizar e se curar através dos tempos. Entendam, não estou dizendo que a psicoterapia e a religião são iguais. Estou afirmando que ambas emergem da mesma necessidade humana de lidar com as adversidades da alma.

Por isso, Jung costumava dizer que as religiões eram sistemas psicoterapêuticos, justamente por lidar com os mesmos fenômenos que lidamos no consultório, os males da alma. Não é a toa que muitos clientes recorrem primeiramente a religião, antes de procurar psicoterapia. Entretanto, que não devemos compreender isso uma ineficácia da religião ou como se ela tivesse perdido sua “validade terapêutica”. Uma das formas, para compreendermos porque a psicoterapia ocupa o lugar que outrora foi da religião, nós é dado por Levi-Strauss, que no seu livro “antropologia esturural”, no capitulo “O Feiticeiro e sua magia”, afirma que :

Não há, pois, razão de duvidar da eficácia de certas práticas mágicas. Mas, vê-se, ao mesmo tempo, que a eficácia da magia implica na crença da magia, e que esta se apresenta sob três aspectos complementares: existe, inicialmente, a crença do feiticeiro. na eficácia de suas técnicas; em seguida, a crença do doente que ele cura, ou da vítima que ele persegue, no poder do. próprio feiticeiro; finalmente, a confiança e as exigências da opinião coletiva, que formam à cada instante uma espécie de campo de gravitação no seio do qual se definem e se situam ás relações entre o feiticeiro e aqueles que ele enfeitiça. (Levi-Strauss, 1975, p. 194-5)

Os três aspectos citados por Levi-Strauss são a) confiança do feiticeiro em suas técnicas; b) confiança do doente no feiticeiro; c) confiança do grupo nesse processo de cura. Esses aspectos podem ser transportados para a psicoterapia contemporânea, reconhecendo que há a necessidade 1 ) o psicoterapeuta confiar e dominar a sua técnica, 2) a confiança do cliente (que pode ser traduzida como rapport, vinculo ou transferência); 3) Reconhecimento social, crença em sua eficácia científica.

A eficácia psicoterapêutica e a eficácia da cura mágico-religiosa estão relacionadas por emergirem da mesma realidade psíquica. A principal diferença está a psicoterapia contemporânea é uma forma de a consciência estabelecer um ponte para o dinamismo inconsciente, buscando reestabelecer a saúde psíquica. Por sua vez, a religião surge como uma expressão simbólica do próprio inconsciente na tentativa de uma reordenação psíquica. Assim, os mitos e os rituais são metáforas de dinâmicas coletivas que estão presentes no interior de cada um.

Por outro lado, poderíamos inclusive ampliar essas relações, se observarmos alguns resquícios da amplitude da função religiosa para o homem na linguagem. Por exemplo, o termo saúde e salvação derivam da mesma palavra latina Salus. Já em língua germânica, o termo hailag está na raiz de heilig (sagrado) e de Heil (inteiro, são, curado).

Essa correlação de salvação e saúde não é estranha quando pensamentos, que na concepção religiosa Deus ou deuses são os responsáveis pelas tanto pelas curas quanto pelas doenças. Ou seja, se urma doença foi um castigo de uma divindade, a pessoa que sofre deveria rever seus atos para ver onde que ofendeu a divindade, e fazer as expiações necessárias. Essa noção de causalidade divina pode ter perdido força em nossa cultura em face a ciência, apesar em vários grupos e camadas sociais essa concepção continua viva e atuante, no meio científico que, no geral, menosprezamos ou mesmo abandonamos a importância e efeito da religião no cotidiano. Segundo, Jung, em nossa cultura regida pela ciência,

Abandonamos, no entanto, apenas os espectros verbais, não os fatos psíquicos responsáveis pelo nascimento dos deuses. Ainda estamos tão possuídos pelos conteúdos psíquicos autônomos, como se estes fossem deuses. Atualmente eles são chamados: fobias, obsessões, e assim por diante; numa palavra, sintomas neuróticos. Os deuses tornaram-se doenças. Zeus não governa mais o Olimpo, mas o plexo solar e produz espécimes curiosos que visitam o consultório médico; também perturba os miolos dos políticos e jornalistas, que desencadeiam pelo mundo verdadeiras epidemias psíquicas. (JUNG, O Segredo da Flor de Ouro,xx)

As experiências humanas o fenômeno doença-cura imprimiram na psique um padrão de mobilização psíquica, que cuja imagem representacional é o mitema curador-ferido.

Antes de falarmos sobre o essa dinâmica arquetípica de saúde-doença, que fundamenta a relação terapêutica, devemos rever os mitos relacionados ao a dinâmica do curador ferido/saúde-doença.

Algumas pessoas podem achar estranho o fato dos junguianos sempre buscarem os “mitos” ou “referências mitológicas”. Acredito que seja importante frisar que, segundo Cambpell, os mitos são metáforas. Isto é, metáforas de nossa realidade interior. Essas metáforas nos servem como modelos para um nível de apreensão da realidade, nos dando orientação e direcionamento, e, por outro lado, nos possibilitam a compreensão de processos inconscientes projetados e elaborados nos mitos.

O curador-Ferido

Para falarmos do arquétipo do curador ferido eu gostaria de contrapor três variações desse arquétipo que nos narram acerca dessa dinâmica.

A primeira tradição que nos ensina bastante é a tradição afro-brasileira, do Candomblé, pessoalmente, eu acredito que das três que vou me referir esta é a que melhor explicita a dimensão arquetípica das polaridades saúde e doença. No candomblé, orixá que rege a saúde e a doença é Xapanã, mas, por respeito e temor, ele é mais conhecido por Obaluaê(Senhor da Terra) ou Omulu (Filho do Senhor) . Um dos mitos sobre Xapanã, diz o seguinte,

Xapanã ganha o segredo das peste na partilha dos poderes

Olodumare, um dia, decidiu distribuir seus bens.

Disse aos seus filhos que se reunissem

e que eles mesmos repartissem entre si as riquezas do mundo.

Ogum, Exu, Orixá Oco, Xangô, Xapanã

e os outros orixás deveriam dividir

os poderes e mistérios sobre as coisas da Terra.

Num dia em que Xapanã estava ausente,

os demais se reuniram e fizeram a partilha,

dividindo todos os poderes entre eles,

não deixando nada de valor para Xapanã.

Um ficou com o trovão, o outro recebeu as matas,

Outro quis os metais, outro ganhou o mar.

Escolheram o ouro, o raio, o arco-íris;

Levaram a chuva, os campos cultivados, os rios.

Tudo foi distribuído entre eles,

cada coisa com seus segredos,

cada riqueza com seus mistério.

A única coisa que sobrou sem dono, desprezada, foi a peste.

Ao voltar, nada encontrou Xapanã para si,

A não ser a peste que ninguém quisera.

Xapanã guardou a peste para si,

mas, não se conformou com o golpe dos irmãos.

Foi procurar Orunmilá, que lhe ensinou a fazer sacrifícios,

para que seu enjeitado poder fosse maior que os dos outros.

Xapanã fez sacrifícios e aguardou.

Um dia, uma doença muito contagiosa

Começou a se espalhar-se pelo mundo.

Era a varíola.

O povo desesperado, fazia sacrifícios para todos os orixás.

mas nenhum deles podia ajudar.

A varíola não poupava ninguém, era uma mortandade.

Cidades, vilas e povoados ficavam vaizos,

já não havia espaços nos cemitérios para tantos mortos.

O povo foi consultar Orunmilá para saber o que fazer.

Ele explicou que a epidemia acontecia

Porque Xapanã estava revoltado,

por ter sido passado para trás pelos irmãos.

Orunmilá mandou fazer oferendas para Xapanã.

Só Xapanã poderia ajudá-los a conter a varíola,

pois só ele tinha o poder sobre as pestes,

só ele sabia o segredo das doenças.

Tinha sido essa a sua única herança.

Todos pediram proteção a Xapanã

E sacrifícios foram realizados em sua homenagem.

A epidemia foi vencida.

Xapanã era então respeitado por todos.

Seu poder era infinito, o maior de todos os poderes” (PRANDI, 2007, p.210-1)

Em outras narrativas acerca de Xapanã é dito que ele, quando nasceu doente e foi abandonado pela mãe (Nãnã) e criado por Iemanjá, outros falam que quando criança que foi punido com varíola por desobediência, e mesmo ele superando a doença ele continuou com as marcas e deformações da doença. O que fazia com que ele usasse palha para esconder as marcas da doença. Mesmo sendo ele senhor das doenças e das curas, ele próprio era marcado pela doença. Xapanã, Obaluaê-Omulu, é um curador que carrega suas próprias feridas, escondendo-as por debaixo de sua roupagem de palha, tanto pro vergonha de sua aparência e para evitar as reações que causa nas pessoas.

Indo para outra época, uma outra mitologia, podemos reconhecer a mesma dinâmica, no mitema grego de Quiron, o centauro. Na mitologia grega, Quiron é um personagem que não possui um mito próprio, mas, participa da história de deuses e heróis. Ele nasceu da união de Cronos e a ninfa Filira, ele foi criado por Apolo, e se tornou o mais sábio (e civilizado) dos centauros, foi o mestre de heróis como Ajax, teseus Jasão, Perseu, Enéas, Télamon, Aquiles Peleu, Aristeu, Hercules e Asclépio. No toca a nosso estudo, Quíron foi mestre de Asclépio(ou Esculápio), a quem ensinou as artes da cura, por sua vez, Asclépio se tornou o deus da medicina. Mas, todo conhecimento nas artes da cura não  foram suficientes para curá-lo, quando ele foi atingindo pela flecha de Hercules que havia sido embebida no sangue da hidra de Lerna, que era mortal, mas, como Quiron era imortal, o ferimento causado jamais curaria, causando dores intermináveis. O sofrimento de Quiron só terminou quando ele trocou sua imortalidade pela liberdade de Prometeu, feita esta troca, Zeus eternizou sua história nas estrelas criando a constelação de Sagitário.

O terceiro representante dessa categoria de curadores feridos é bem conhecido d e nossa cultura, justamente por estar no centro da mitologia vigente que é Jesus Cristo. Devemos tomar alguns textos como referência:

Mas ele foi transpassado por causa das nossas transgressões, foi esmagado por causa de nossas iniqüidades; o castigo que nos trouxe paz estava sobre ele, e pelas suas feridas fomos curados. Isaias 53:3 (NVI).

Os profetas do antigo já previam o sofrimento do messias, que o sofrimento dele seria necessário para o perdão e a purificação de todos.

Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e vivêssemos para a justiça; por suas feridas vocês foram curados. I Pedro 2:24 (NVI)

As feridas de Cristo são ressaltadas na passagem onde Cristo encontra com Tomé, após a ressurreição.

Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com os discípulos quando Jesus apareceu.

Os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor! ” Mas ele lhes disse: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”.

Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês! ”

E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”.

Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu! ”

Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram” Jo. 24-29. (NVI)

Quando estudamos atenciosamente esses três mitemas, podemos perceber que em culturas diferentes produziram estruturas muito semelhantes como o nascimento divino ( Obaluae e Quíron foram abandonados no nascimento; Cristo foi perseguido e teve de ir para o Egito) os três passaram pelo sofrimento, tinham as marcas do sofrimento, mas, eles mesmos não curaram essas marcas/feridas.

A identidade entre essas representações evidenciam um arquétipo que denominamos “curador-ferido”. Entretanto, eu gostaria de ressaltar que essa estrutura arquetípica deveria ser compreendida de modo mais amplo, pois, os curadores feridos indicam que saúde e a doença estão associadas numa mesma dinâmica, são polaridades do mesmo arquétipo. Dos três exemplos, Obaluae representa melhor essa dinâmica, pois, ele é tanto o curador quanto o causador das doenças (um paralelo que poderíamos traçar, seria com Jeová, que tanto enviava as doenças quanto curava o povo).

Dessa forma, poderíamos compreender esse arquétipo por essas duas vias:

a) Curador-ferido: que dá indicações para pensarmos a temática do terapeuta;

b) Saúde-doença: que nos permite compreender o potencial de saúde inconsciente, isto é, há sempre o potencial de vida mesmo na doença. Assim, como o símbolo do Tai Chi, o germe da saúde encontra-se na doença, e germe da doença está presente na saúde.

É importante frisar que como arquétipo, essa dinâmica é comum a todos os seres humanos, não restrita a “terapeutas”.

Indo pela primeira via, entramos num domínio que é a percepção do “curador-ferido”, que nos permite refletir acerca das pessoas que se propõe a posição de curadores ou cuidadores (que não se restringem a psicólogos, mas, também, ministros religiosos, assistentes sociais, professores, médicos dentre outros).

O aspecto fundamental dessa representação é a ferida do curador. Esta ferida pode ser compreendida simbolicamente em dois aspectos :

1 – É uma ferida aberta na pele : Em primeiro lugar devemos focalizar a pele, que é o órgão de nosso corpo responsável pela proteção de nosso organismo, e que intermedia a nossa relação com o meio. Essa ferida aberta na pele nos fala de uma “abertura sensível” ao mundo exterior. É uma abertura

2 – É incurável : Ser incurável significa que ela requer cuidados contínuos.

Assim,  essa ferida, essa disposição a compreender e ajudar aos outros, produz “uma ponte simbólica” inconsciente, que não deve ser vista como “negativa”, mas que deve ser cuidada atentamente para não causar “infecções” (seja por meio de relações contratransferenciais arrasadoras ou de outras ordens), como história do movimento psicanalítico nos ensina (sugiro a leitura do livro “Luz e Trevas” de Isaias Paim).

Em outros, termos, essa ferida simbólica do terapeuta, por ser inconsciente, está associada com sua sombra. Essa é uma questão importante, segundo Guggenbhul-Craig,

Sombra no analista constela sombra no paciente. Nossa própria honestidade ajuda-o a confrontar seus fenômenos sombrios. Cada um de nós deve trabalhar em ambas áreas (GUGGENBHUL-CRAIG,1978, p.86)

Quando falamos de sombra devemos lembrar que esta corresponde a todos os pontos cegos (ou míopes) que temos em nossa consciência. É importante compreendermos que a sombra não é um processo apenas histórico, mas é um fator dinâmico, fazer analise não significa que você vai “exaurir” ou “dominar” a sombra, mas, apenas que você estar atento aos seus “tendões de Aquiles”, de nossa história pessoal. Quando nós, terapeutas,  não permitimos a entrada desses conteúdos em nossa consciência ou não permitimos sua expressão simbólica, eles encontram outro meio, seja pela formação do sintoma neurótico ou a somatização. Por outro lado, essa sombra também vai estar associada a dinâmica arquetípica do curador ferido.

(…)Quando uma pessoa fica doente o arquétipo de terapeuta-paciente se constela. O enfermo procura um terapeuta exterior, mas, ao mesmo tempo se constela o terapeuta intrapsíquico. Costumamos nos referir a este, no paciente, como “fator de cura”. É o médico dentro do próprio paciente – e sua ação terapêutica é tão importante quanto a do profissional que entra em cena externamente. As feridas não se fecham nem as doenças se vão sem a ação curativa do terapeuta interior. (…) O médico pode fechar o corte – mas, algo no corpo e na psique do paciente deve cooperar para que a enfermidade seja vencida. (GUGGENBHÜL-CRAIG, 1978, p. 98)

Os dois pólos do arquétipo são atuantes em nós. Quando reconhecemos o pólo que até aqui já chamamos de “ferida/doença/doente/paciente” estamos reconhecendo também a nossa limitação, esse pólo conduz o terapeuta a humildade não se achar melhor ou superior ao atendido. Por outro lado, quando não reconhecemos as feridas, corremos o risco da hybris do analista, na identificação com a polaridade curadora. Essa identificação gera cisão na dinâmica do arquétipo, onde a consciência identifica com o pólo curador e a tendência é projetar o pólo oposto na relação terapêutica, isto é, no cliente. Quando isso ocorre, o terapeuta se torna o dono da verdade, não reconhece ou valoriza os desenvolvimentos do cliente, isto é, não desperta o potencial de cura do cliente, tornando-o cada vez mais dependente de si.

É fundamental compreendermos que as feridas do curador lhe lembram que ele é humano, que deve buscar viver e desenvolver sua vida. A ferida lhe impõe o cuidado de sua vida in lato sensu (pessoal, familiar, social). As feridas do terapeuta somente serão problemáticas quando dissociadas, isto é, quando sua relação consigo mesmo for precária.

(Voltaremos a essa discussão, no que tange ao curador ferido na psicoterapia, num post futuro quando falaremos da relação transferência-contratransferência. Este texto foi baseado numa aula dada na UFES em 2010. Corresponde a primeira parte da aula, a segunda parte foi aprofudado o tema da transferência-contratransferência. Este post guarda algumas ligações com o texto  Aspectos Gerais da Psicoterapia e Análise Junguiana – Parte II : A sombra do analista).

Referencias Bibliograficas

LEVI-STRAUSS, Claude. 1970. Antropologia estrutural. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro.

GUGGENBHÜL-CRAIG, Adolf, Abuso do poder na psicoterapia, rio de janeiro: achieamé, 1978.

PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2000

JUNG, C. G.; WILHEIM, R. O segredo da flor de ouro: um livro de vida Chinesa. 11 Edição. Petrópolis: Vozes, 2001.

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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