Evento: II Seminário Caminhos Junguianos–A travessia do Sussuarão

 

O Grupo “Caminhos Junguianos” da Universidade Federal de São João Del Rei(UFSJ) estará realizando o “II Seminário Caminhos Junguianos – A travessia do Sussuarão” de 08 a 11 de setembro de 2015. 

Abaixo segue o convite que está sendo divulgado no facebook, através do perfil do grupo:

“Convidamos todos para participarem do II Seminário Caminhos Junguianos – A Travessia do Sussuarão (Baseado na obra de João Guimarães Rosa – Grande sertão: veredas), a ser realizado de 08 a 11 de setembro de 2015, que acontecerá na Universidade Federal de São João del Rei (UFSJ). O evento contará com as presenças, já confirmadas dos palestrantes Michel Maffesoli (Sorbonne/França), Cesar Rey Xavier (Unicentro/PR), Fernando Otávio Coelho (UFSJ), Maddi Damian (UFF), Glória Ribeiro (UFSJ), Angela Philippini (POMAR), Abel Moraes (UFSJ), Filipe Jesuíno (UFC), Walter Melo Jr (UFSJ), Cláudio Paixão (UFMG) e Adelmo José da Silva (UFSJ). Haverá também um mini curso sobre os principais conceitos da psicologia analítica, ministrado por Wagner Vaz.
O Seminário tem como objetivo estabelecer um diálogo entre a psicologia analítica e outras áreas do conhecimento e será organizado por meio de minicurso, conferências, mesas redondas e comunicações orais. Os interessados em apresentar trabalhos deverão enviar um resumo para apreciação em, no máximo, duas laudas, contendo título, autor(es), texto e referências.

O envio dos resumos e informações sobre inscrição deverão ser enviadas para o email caminhosjunguianos@gmail.com

https://caminhosjunguianosufsj.wordpress.com/inscricoes/

 

Segue a programação do evento:

 

Mais informações:
Evento no facebook: https://www.facebook.com/events/947884631917946/ 

Perfil do Grupo no Facebook: https://www.facebook.com/caminhos.junguianos

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VII Congresso Latino Americano de Psicologia Junguiana – Buenos Aires Argentina

 

Já está disponível a programação do VII Congresso Latino Americano de Psicologia Junguiana que acontecerá em Buenos Aires, Argentina, nos dias 3 a 6 de junho de 2015, no hotel panamericano.

Basta clicar no link http://www.clapjung.com.ar/docs/programa.pdf 

 

Maiores informações no site www.clapjung.com.br

 

Abraços,

Fabricio Moraes

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Evento: CONGRESSO NACIONAL “CLÍNICA JUNGUIANA E ARTETERAPIA: MITOS E TIPOS”

CONGRESSO DE CLÍNICA JUNGUIANA E ARTETERAPIA: MITOS E TIPOS
QUANDO
: Maio, dia 21,22 e 23 de Maio no Rio de Janeiro.
COMO SE INSCREVER: no site www.praticajunguiana.com  pelo email: praticajunguiana@gmail.com .
LOCAL: Universidade Veiga de Almeida.

INSTITUIÇÕES NA ORGANIZAÇÃO: SBPA – RJ, participação de membros da SBPA – SP; Museu de Imagens do Inconsciente; Terapias Expressivas – UFF e Palestrantes de Mitologias diversas e de Tipos Psicolológicos, além de curso introdutório de Psicologia Analítica. Arteterapia e leitura de imagens. Valores especiais para estudantes em geral, e membros da UBAAT. Apoio: Editora Paulus.
VALORES: As modalidades e os valores de inscrição são os seguintes:
Profissionais – R$260,00 até 20 de Abril e R$360,00 até o dia do congresso
Profissionais da UBAAT – AARJ – R$ 200,00 até 20 de Abril e R$ 320,00 até o dia do congresso
Estudantes de graduação e de pós-graduação – R$180,00 até 20 de Abril e 260,00 até o dia do congresso
Descontos de estudantes da UBAAT – AARJ e Descontos de alunos de graduação e pós-graduação da Universidade Veiga de Almeida; da FAMATH, alunos do curso de Terapia Expressivas – UFF e estagiarios oficiais da Casa das Palmeiras e do Museu de Imagens do inconsciente – R$160,00 até 20 de Abril e 240,00 até o dia do congresso.

Um Minicurso – R$90,00 até 20 de Abril e R$140,00 até o dia do congresso
Desconto para quem vai fazer 03 Minicursos: 200,00 e 250,00 no dia do congresso.

EM BREVE: nome de Palestrantes confirmados!
INSCRIÇÃO DE TRABALHOS: LINHAS TEMÁTICAS
Clínica Junguiana: supervisão e formação
Psicologia Junguiana e Tipos Psicológicos
Pensamento Mítico e Clínica Junguiana
Clínica Junguiana e Arteterapia
Arteterapia e a Mitologia
Arteterapia e Artes Visuais
Arteterapia e Tipologias
Fundamentos Epistemológicos da Psicologia Junguiana e Arteterapia

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Algumas Considerações sobre o Eixo Ego-Self

Em novembro de 2014 tivemos no “Grupo Aion – Estudos Junguianos”, uma discussão sobre o conceito de “eixo Ego-Self” que foi muito positiva e produtiva, desta discussão surgiu a necessidade dar forma e condensar alguns aspectos importantes, assim como ampliar a compreensão deste conceito. Dessa forma, este texto foi pensado com duas propostas iniciais: 1- Compreender o conceito de eixo ego-self a partir dos teóricos que desenvolveram este conceito Erich Neumann e Edward Edinger.2 – Compreender o eixo ego-self a partir de Jung, estabelecendo uma leitura, por assim dizer, clássica deste conceito.

O Eixo Ego-Self em Neumann: Uma teoria do desenvolvimento

Erich Neumann(1905-1960) foi um brilhante discípulo de Jung que se destacou ao propor uma teoria do desenvolvimento do Ego e da Consciência no contexto junguiano. Sua teoria foi alvo de muitas críticas pois, suas considerações teóricas foram baseadas em reflexões de análise de adultos e, também, em padrões arquetípicos/miticos que segundo ele, apontariam para um possível padrão desenvolvimento da consciência e do Ego. O principal trabalho onde desenvolveu suas concepções acerca do desenvolvimento do ego foi o livro “A Criança” que, na verdade, é uma obra inacabada pois Neumann morreu antes de concluí-lo em 1960. Na verdade, foi ele quem cunhou o termo “eixo ego-self” no contexto de sua teoria do desenvolvimento. Deste modo, convém que façamos uma breve exposição acerca da teoria do desenvolvimento de Neumann.

O primeiro estágio de desenvolvimento do Ego foi chamado, por Neumann, de fase urobórica. Esse termo urobórico, se refere ao símbolo da uroboros, isto é, a imagem da serpente ou dragão que, num movimento circular, morde a própria cauda, estabelecendo uma unidade sem início nem fim, isto é, sem opostos. Assim, a urobóros é percebida como um “grande círculo”, uma unidade original, sem inicio ou fim. A partir dessa imagem, Neumann indicou um estágio anterior ao Ego, onde este encontra-se imerso no inconsciente, numa experiência sem início nem fim. Isso é próprio da fase uterina do desenvolvimento e nos primeiros meses após o nascimento

Como nesta etapa Ego ainda não está formado, nem a consciência desenvolvida, assim, não há uma delimitação de opostos, isto é, não há uma interpretação acerca de dentro ou fora, nem de um “eu” ou Outro. Todas as experiências vividas pela criança (seja na fase embrionária ou após o nascimento) são experiências vividas a partir da Unidade Mãe-Filho. Segundo Neumann, nessa fase ainda não podemos falar, em termos psicológicos de um “individuo-Criança”, pois o Self ou a totalidade do mundo da criança é a Mãe. A experiência da criança se dá através da unidade estabelecida com a mãe, vivenciada no próprio corpo da criança, onde

“os mundos parciais do interior e do exterior, do mundo objetivo e da psique não existem. Nessa fase embrionária pós-natal, a criança ainda está contida em sua mãe, apesar de seu corpo já haver nascido. Nessa fase, o que existe é uma unidade primária composta da mãe e filho.“ (NEUMANN, 1993, p. 12)

Nessa fase, vide Figura 1, o Ego ainda está contido no Self, este deve ser compreendido como o conjunto de relações e cuidados maternos (nutrição, atenção, higiene, adaptação do ambiente, etc.), por outro lado, a configuração biopsiquica mais básica da criança, denominada por Neumann de Self corporal. O Self da Mãe é fundamental neste momento, pois, seria o veículo para constelação do Self da criança.

Esta Relação Mãe-Criança, denominada por Neumann, de relação Primal, que

funciona para a criança como possibilidade de relacionamento com seu próprio corpo, com seu Self, com o “tu” e com o mundo, tudo ao mesmo tempo. A relação primal é a base ontogenética da experiência de estar-no-próprio-corpo, de estar-com-um Self, de estar-unido, de estar-no-mundo. (NEUMANN, 1993, p. 25)

A relação primal sadia, marcada pela confiança e amor da mãe, vai possibilitar o desenvolvimento de um ego integral positivo assim como o estabelecimento de um eixo ego-self estável. Para Neumann, o “ego integral positivo” seria “um ego capaz de assimilar e integrar as qualidades, até mesmo quando negativas ou desagradáveis, dos mundos interno e externo, tais como privações, dor, etc.” (NEUMANN, 1993, p. 51). O desenvolvimento saudável seria consequência deste ego integral positivo.

Na fase urobórica, a experiência do Self é encarnada pela dinâmica do arquétipo da grande Mãe, onde a experiência da segurança e nutrição são proporcionados pela unidade formada na relação primal mãe-bebê, envolvendo toda a experiência da criança.

O desenvolvimento natural da criança significa um aumento da consciência, inicialmente, esse desenvolvimento se manifesta através das distinções entre sensações do corpo, favorecem a aproximação do indivíduo com a experiências externas à urobóros matriarcal, que daria início a separação do Ego do inconsciente presentado pela fig2.

As experiências como conforto e desconforto, saciedade e fome, calor e frio etc; começam a serem compreendidas de uma forma relativamente consciente gerando uma polarização na esfera psíquica. A experiência da totalidade da Grande Mãe começa a rompida e vivenciada em seus aspectos positivos e negativos. Essa distinção ou ruptura da unidade “mãe-criança” é marcada pela dinâmica patriarcal, que se caracteriza justamente pelas divisões, pelo estabelecimento de limites. Para exemplificar de forma mais simples, o “sim e não” o “pode e não pode” são expressões dessa dinâmica patriarcal presentes desde a mais tenra infância.

A fase patriarcal desenvolveria dos dois anos até a adolescência possibilitando a separação entre a consciência e o inconsciente, assim como o estabelecimento e fortalecimento do ego e do o eixo ego-self (Fig. 3).O desenvolvimento não terminaria na fase patriarcal, o desenvolvimento passaria a uma relação com o outro, pelo amadurecimento e constelação da anima e animus e, posteriormente, individuação.

Para Neumann, o objetivo da primeira etapa da vida é o desenvolvimento do eixo ego-self

Uma personalidade assim sadia é sinônimo de um eixo ego-Self normal e fornece uma garantia de que a relação compensatória entre consciente e inconsciente, que em certos distúrbios graves fica seriamente prejudicada, continuará funcionando em certa medida.(NEUMANN, 1993, p 54)

Neumann não desenvolve muito a conceituação acerca do eixo ego-self, na verdade, o eixo ego-self é um conceito necessário na formulação de Neumann para expressar a importância da relação primal na vida do sujeito.

O eixo Ego-Self em Edinger: A experiência clínica

Edward Edinger(1922-1998) foi um dos mais importantes analistas junguianos norte-americano, membro fundador do Instituto Jung de Nova York. Em sua obra “Ego e Arquétipo” oferece uma importante via de compreensão para eixo ego-self. A diferente de Neumann que visava uma teoria do desenvolvimento, a concepção de Edinger é mais voltada para a prática clínica, mas, sem ignorar o desenvolvimento.

A compreensão de Edinger se destaca por apresentar de forma clara o dinamismo do da relação ego e self., assim como por conciliar a dinâmica descrita por Fordham sobre Self, segundo o modelo de deintegração/reintegração. Segundo Edinger haveria três situações ou estágios possíveis no desenvolvimento da consciência: Inflação, alienação e individuação.

A Inflação

O termo inflação é utilizado no contexto junguiano sempre que o ego encontra-se num estado de identificação com algum elemento da psique coletiva, de modo, que o Ego passa a extrapolar seus limites. Nas palavras de Edinger

“Uso o termo ‘inflação’ para descrever a atitude e o estado que acompanham a identificação do ego com o Si-mesmo. trata-se de um estágio no qual algo pequeno (o ego) atribui a si qualidades de algo mais amplo (o Si-mesmo) e, portanto, está além das próprias medidas. (EDINGER, 1989, p27)

Em sua perspectiva, o desenvolvimento humano começa com um estado de inflação do Ego, isto é, da identificação do Ego com o Self. Esta identificação original é semelhante ao que Neumann descreveu como estagio urobórico. Assim, esta identidade entre Ego-Self se caracteriza pelo fato do ego não ter-se emancipado do Self. O desenvolvimento naturalmente produz a ruptura dessa identificação especialmente pelo processo de educação e socialização.

Na vida adulta é possível encontrarmos esse mesmo fenômeno quando uma instância arquetípica envolve o ego tirando-lhe de sua realidade. Para Edinger “podemos identificar um estado inflação sempre que vemos alguém (inclusive nós mesmos) vivendo um atributo da divindade, isto é, sempre que alguém esteja transcendendo os limites próprios do ser humano.”(EDINGER, 1989,p.36) Todo excesso seria indicativo de inflação, seja de poder, amor, altruísmo, humildade, arrogância Assim,

A motivação para o poder de todos os tipos é sintoma de inflação. Toda vez que agimos motivados pelo desejo de poder, a onipotência está implícita. Mas a onipotência é um atributo que só Deus tem. A rigidez intelectual que tenta igualar suas próprias verdades ou opiniões com a verdade universal também é inflação. É a suposição da onisciência. A luxuria e todas as operações do puro princípio de prazer constituem igualmente inflação. Todo desejo que dê à própria satisfação um valor central transcendente os limites da realidade do ego e, em consequência, assume os atributos dos poderes transpessoais.(EDINGER, 1989, p.37)

A inflação é um fenômeno natural mas, não significa necessariamente patológico, pois, em algumas situações é necessário o irrompimento do potencial arquetípico – geralmente por meio de um símbolo – para potencializar o ego. Como dito acima, todo excesso indica uma inflação. Edinger chama atenção que a inflação também pode se manifestar de forma negativa, isto é, ao invés o individuo se identificar com os atributos da divindade, se identificar com a vítima da divindade – com um sentimento excessivo de culpa e sofrimento. “Vemos isso nos casos de melancolia que exprimem o sentimento de que ‘que ninguém no mundo é tão culpado quanto eu’”(ibid, p. 37)

Como exemplo da inflação na mitologia Edinger cita como exemplos Adão, Prometeu, Faetonte, Ícaro, Ixion. A expressão mítica da inflação é a Hybris na tradição grega ou a idéia do pecado na tradição judaico cristão.

A inflação do ego aponta para uma relação inadequada com inconsciente, tomado por um conteúdo do inconsciente, o ego é levado pelo impulso inconsciente.

A Alienação do Ego

A Alienação do ego corresponde a um segundo momento no processo de desenvolvimento da personalidade. Se a inflação corresponderia ao estágio original, onde o ego estaria identificado com o Self, a alienação ocorre a perda de contato entre o ego e o self. Assim, processo de alienação é mais preocupante significaria uma ruptura, mesmo que temporária, do da relação entre o ego e o self, é preocupante poi,s o “ eixo ego-si-mesmo representa a conexão vital entre o ego e o Si-mesmo, a qual deve estar relativamente intacta se se pretende que o ego suporte as tensões e cresça.”(ibid, p.67).

Apesar de preocupante, o processo de desenvolvimento naturalmente contribui com a alienação do ego. As relações com o meio, a experiência de limite, a experiência com os pais que naturalmente recebem a projeção do Self, desencadearia um processo de alienação, pois, a criança estabeleceria um crescente contato com a realidade no qual a criança começaria a se perceberia em seu próprio limite, em sua própria realidade. É importante frisar que essas experiências não são patológicas em si, o treinamento da criança e a disciplina possibilitam o desenvolvimento e uma relação adequada com o meio. Nesse contexto de desenvolvimento, o perigo não estaria na projeção do Self nos mais, mas, numa possível projeção da sombra dos pais na criança que poderia danificar a relação do ego com o self, pois, com esta projeção as expectativas lançadas sobre a criança ultrapassam a exigência humana. O ego da criança experimentaria um sentimento de rejeição, incapacidade e continua inferiorização como se vindo do próprio Self, este seria um caso mais grave na infância.

Edinger sugere que inevitavelmente ocorrerão momentos de alienação do ego, contudo, o ideal seria que essa alienação não danificasse ou rompesse o eixo ego-self, pois, quando a conexão se rompe o “resultado é o vazio, desespero, falta de sentido e, em casos mais extremos, a psicose ou o suicídio” (p.72). A falta de relação com o Self promove no ego uma postura defensiva em relação a vida, pois, o individuo vive a sensação do desamparo. Isso ocorre porque

O Si-mesmo, na qualidade de centro e totalidade da psique, capaz de conciliar todos os opostos, pode ser considerado o órgão de aceitação par excellence. Como inclui a totalidade, ele deve ser capaz de aceitar todos os elementos da vida psíquica, por mais antitéticos que possam ser. O sentimento de ser aceito pelo Si-mesmo dá ao ego força e estabilidade. Esse sentimento de aceitação é o veiculado para o ego através do eixo ego-Si-mesmo. Um sintoma de danificação desse eixo é a falta de auto-aceitação. O individuo sente que não merece viver ou ser o que é. A psicoterapia oferece à pessoa que passa por isso uma oportunidade de enfrentar a aceitação. Em casos bem-sucedidos, essa experiência pode equivaler a um reparo do eixo ego-Si-mesmo que restabelece o contato com as fontes internas de força e de aceitação – o que deixa o paciente livre para viver e crescer. (ibid, p. 69.)

A incapacidade do individuo em se aceitar, em estabelecer uma relação saudável consigo mesmo é compensada através de uma persona rígida, profissional, para compensar o vazio e a não aceitação interior. Tão natural quando o processo de alienação é o processo de reparação do eixo. Em situações não extremada, a própria dinâmica psíquica seria capaz de reparar a relação do eixo ego-self – seja através de relações pessoais (amigos, família) ou de experiências arquetípicas de reparação (como as experiências religiosas). Outros casos mais extremados, que são os que geralmente chegam a clínica psicológica, Edinger aponta que a postura do acolhimento por parte do terapeuta/analista é o passo fundamental para a reparação do eixo ego-self. A aceitação/acolhimento abre a possibilidade do individuo para o estabelecimento da transferência que em si mesma já se manifesta como uma tentativa de reparação, isto é, uma projeção do self que numa condição saudável pode restaurar a relação do ego com o self.

Esse estado de alienação é representado na literatura e mitologia através da solidão, desamparo, de imagens como o deserto. São João da Cruz a descreve como a noite escura da alma. De forma geral, o processo de alienação deve ser seguido pela reparação.

Individuação

O processo de inflação e alienação se sucedem ao longo da vida. Quando não ocorre um transtorno patológico, a inflação “leva a uma queda e, portanto, à alienação. A condição alienada, da mesma maneira, leva, em condições normais, a um estado de cura e restauração.” (ibid.p. 98). Tanto a inflação quanto a alienação, que sob um certo aspecto se complementam, podem representar um risco ao desenvolvimento da personalidade. Esse risco tende a ser contrabalançado na cultura, mas, propriamente na experiência das religiões. O respeito ao sagrado, hábitos como dizer “se Deus quiser”, os tabus, dentre outras; são formas de proteger o ego do risco da inflação. A projeção do Self nas figuras divinas nas religiões são uma forma possibilitam o processo de restauração do eixo ego-self. Contudo,

Em determinado ponto do desenvolvimento psicológico, normalmente após uma extensa experiência de alienação, o eixo ego-Si-mesmo, de repente, passa à consciência. (…) O ego torna-se consciente, em termos de experiência, da existência de um centro transpessoal a que está subordinado. (ibid p. 106-8)

A irrupção do eixo ego-self na consciência pode ser descrita, nas palavras de Otto, como um mysterium tremendum et fascinans, isto é, um mistério terrível pois, impõe ao ego a dimensão de sua limitação. Por outro lado, é um mistério fascinante pois atrai o ego. A consciência do ego acerca deste “eixo ego-self”, isto é, da percepção de uma realidade distinta em si mesmo, supraordenada, implica na possiblidade de diálogo entre a consciência e o inconsciente sem que o ego esteja identificado com Self.

Ocorre a cura de uma divisão dupla quando a individuação é alcançada: primeiro, a divisão entre consciente e inconsciente, que se iniciou por ocasião do nascimento da consciência; em segundo lugar, a divisão entre sujeito e objeto. A dicotomia entre realidade externa e a interna é substituída por um sentimento de realidade unitária. (…) As imagens e atributos do Si-mesmo são experimentados agora como coisas distintas do ego e situados acima dele. Essa experiência traz consigo a percepção de que não se é dono da própria casa. A pessoa toma consciência de que há uma orientação interna autônoma, distinta do ego e, com frequência, antagônica a ele. (ibid. p. 143-4)

A individuação não é uma meta, com um alvo a ser alcançado, mas, um processo continuo, ou melhor, uma relação continua. O ego tem a experiência de algo superior a si. Que pode ser descrita como uma voz interior ou por outro lado, nas religiões é descrita como um encontro com a divindade, com o mestre, ou com um processo de iluminação.

Eixo Ego-Self em Jung

Como dito no inicio, este texto surgiu de uma discussão realizada no grupo Aion, um dos pontos mais importantes daquela discussão foi a dificuldades que algumas pessoas tinham em perceber o arcabouço teórico descrito por Jung na configuração do eixo ego-self. Acredito que seja necessário considerarmos o lugar que o conceito de eixo ego-self ocupa na teoria junguiana. Compreendo que este conceito não indica uma estrutura ou um nível de organização da psique, mas de uma representação sintetizada e didática da dinâmica psíquica que fora descrita por Jung. Assim, para compreender de fato o que “eixo ego-self” apresenta devemos ter uma visão clara da teoria junguiana, caso contrário corremos o risco de ter uma concepção limitada deste conceito, especialmente quando nos aprofundamos na concepção de Edinger, que transcende a perspectiva de desenvolvimento visada por Neumann.

Aproximar o conceito de eixo ego-self de Jung é tornar visível os aspectos teóricos que se ocultam nas entrelinhas. A linha mestra que norteia o todo o desenvolvimento desse conceito está na afirmação de Jung que o “eu está para o ´si-mesmo´ assim como o ‘patiens’ está para o ‘agens’[1], ou com o objeto está para o sujeito, por que as disposições que emanam do si-mesmo são bastante amplas e, por isso mesmo, superiores ao eu” (JUNG, 1991, p. 58). O pressuposto de que o Self é o ponto de partida e a meta a ser realizada no desenvolvimento psíquico toda a visão de Jung.

O desenvolvimento do ego, sua organização e emancipação do inconsciente(self) não foi alvo claro das pesquisas de Jung, mas, foi descrito por Neumann a partir das forças de centroversão e da relação primal ou mesmo descrito pelo Fordham pelo processo de deintegração/reintegração, sendo o “o Ego é o `de-integrado´ mais importante do Si-mesmo”.(SOLOMON, 2002, p. 140). Independente do ponto de vista se Fordham ou Neumann, temos um impulso natural direcionado ao meio externo, o qual Jung descrevia como uma unilateralidade fundamental e inerente ao ego sobre esta afirmou

A unilateralidade é, ao mesmo tempo, uma vantagem e um inconveniente, mesmo quando parece não haver um inconveniente exteriormente reconhecível, existe, contudo, sempre uma contraposição igualmente pronunciada no inconsciente a não ser que se trate absolutamente de um caso ideal em que todas as componentes psíquicas tendem, sem exceção, para uma só e mesma direção. (JUNG, 2000, p. 3)

A unilateralidade descrita por Jung está associada do movimento natural do Ego em direção a consciência e ao mundo exterior. Ao longo da infância, o impulso para o estabelecimento da consciência e a aderência a realidade exterior será possível através da unilateralidade da consciência, assim como com o desenvolvimento da persona – sob certo aspecto, quando mais adequada for o a persona, melhor será a organização e força do ego assim como sua relação com o meio exterior.

Edinger utilizou o termo “inflação” para determinar a identidade entre o ego e o Self, conforme o uso feito por Jung. Por outro lado, a alienação nos fala da unilateralidade da consciência. Em ambos os casos temos uma inconsciência pronunciada tanto em relação ao mundo interior quanto exterior. É necessário levar em consideração os complexos tanto no contexto da alienação quanto inflação.

Devemos pensar um pouco acerca das dimensões apresentadas sobre o Self. Em uma de suas descrições Jung afirma que o Self “[…]não é apenas o ponto central, mas também a circunferência que engloba tanto a consciência como o inconsciente. Ele é o centro dessa totalidade, do mesmo modo que o eu é centro da consciência” (JUNG, 1994,p. 51). Assim, todos os conteúdos psíquicos são, em última análise, manifestações do Self. Contudo, o aspecto do Self expresso no eixo ego-self se refere principalmente ao inconsciente e seus conteúdos. Nesse aspecto podemos falar do Self manifesto através da Sombra, que também é uma imagem representacional do inconsciente.

Outro aspecto que devemos considerar é o “eixo” em si ou nas representações gráficas a linha que une o ego ao self. O eixo é a anima ou animus. Devemos considerar que a anima/animus é, por excelência, “um ´psychopompos´, isto é, um intermediário entre a consciência e o inconsciente, e uma personificação do inconsciente” (JUNG, 1986, p14). Integrar a Anima/Animus é um desafio fundamental que nos conduz a integração dos opostos, possibilitando a individuação. A percepção do Self como um Outro só é possível na medida em que o ego não só conseguir se perceber distinto dos conteúdos do inconsciente, mas, perceber o inconsciente com um Outro. A Anima/animus possibilita essa experiência, viabilizando o dialogo interior.

O processo de inflação e alienação ao longo da vida expressam os dois aspectos fundamentais da individuação. Segundo Jung, a “meta da individuação não é outra senão a de despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais”(JUNG,1999, p.61). É fundamental que o ego tenha uma adaptação adequada ao mundo exterior, sem se deixar alienar pelas exigências da psique coletiva, do mesmo modo é importante conhecer e se perceber na relação com as imagens primordiais, sem se inflar pela identificação com as mesmas, pois, quanto maior a inconsciência do ego maior é o poder dos conteúdos do inconsciente.

Acredito que esses apontamentos sejam importantes para pensarmos a dinâmica que envolve o eixo ego-self ampliando a percepção sobre o mesmo. Dado o enraizamento desse conceito na dinâmica descrita por Jung, é comum que analistas clássicos não utilizem dessa conceituação, justamente por considera-la desnecessária. Penso que o conceito de eixo ego-self é útil didaticamente, mas, não substitui o aprofundamento da teoria junguiana.

Referências Bibliográficas

EDINGER, Edward F. Ego e Arquétipo, SP, Cultrix, 1989

JUNG, C.G. O símbolo da Transformação na missa, Petrópolis: Vozes, 1991.

JUNG, Carl Gustav. Psicologia e Alquimia. Petrópolis: Vozes, 3. ed. 1994.

JUNG, C.G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo, Petrópolis: Vozes, 1986.

JUNG, Carl Gustav. O eu e o inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1999

NEUMANN, Erich. A Criança, SP, Cultrix, 1991

SOLOMON, Herter McFarland,, A Escola Desenvolvimentista, inYOUNGEisendrath, Polly, DAWSON, Terence, Manual Cambrigde Para Estudos Junguianos, Porto Alegre: Artmed Editora, 2002


[1]Em citações de outros autores temos a seguinte tradução o “ego está para o Self como o que é movido está para o que move”.

 

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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O tempo e Maya : Algumas Reflexões sobre o Tempo na Psicoterapia a partir de um conto Hindu

(23 de março de 2015)

Nota: Este texto foi publicado pela primeira vez com o título “O tempo na Psicoterapia: Algumas Reflexões sobre o Tempo a partir de um conto Hindu” em 10 de setembro de 2012. Como o tema do tempo retornou as discussões do grupo Aion, resolvi revisar o texto que culminou em muitas mudanças no texto original(que foi substituído no site).

O tempo é uma questão importante para a psicoterapia. Seja por parte do paciente que, muitas vezes impaciente, questiona o acerca de quanto tempo durará a psicoterapia/análise. Por outro, psicoterapeutas iniciantes se cobram por resultados e ficam angustiados com o tempo, pois, esperam o resultado para se sentirem mais confiantes. Compreender e lidar com o tempo é uma tarefa fundamental para o psicoterapeuta.

Uma das dificuldades para lidarmos com o tempo é que em nosso idioma temos apenas uma palavra para descreve-lo. Acabamos flexionando o tempo em expressões como “o tempo Deus”, mas, que ainda é insuficiente para nos dar mais perspectivas acerca do tempo. No grego antigo haviam três possibilidades de pensar o tempo o Chronos, o kairós e o aion. O Cronos seria o tempo sequencial, o tempo associado a métrica, medida, a linearidade do inicio meio e fim – poderíamos dizer, que o tempo cronos é o tempo associado aos processos da consciência, que também se caracteriza por criar um elo sequencial entre os eventos possibilitando a percepção de continuidade. O tempo Kairós é associado ao tempo oportuno, não representa um período de tempo, mas, um momento significativo – poderíamos pensar o Kairós associado a sincronicidade. O Aion se remete ao tempo que não pode ser mensurado, ao tempo sagrado, mítico, intimamente relacionado atemporalidade, ao eterno – o Aion é o tempo do inconsciente.

Acredito que seria interessante ampliarmos a compreensão acerca do tempo pensando um pouco acerca do conceito hindu de maya. Para nos aproximarmos desse conceito iremos utilizar um pequeno conto hindu narrado pelo Mircea Eliade

Um asceta ilustre chamado Nârada, tendo obtido a graça de Visnu pelas suas inúmeras austeridades, vê aparecer-lhe o deus, o qual lhe promete cumprir qualquer desejo por ele emitido. “Mostra-me a força mágica da tua mâyâ” — pede-lhe Nârada. Visnu acede e faz-lhe sinal para que o siga. Pouco tempo depois, tendo chegado a um caminho deserto e ensolarado, sentindo sede, Visnu pede-lhe para andar umas centenas de metros até uma pequena aldeia que se avista e trazer-lhe água. Nârada precipita-se e bate à porta da primeira casa que encontra. Uma bela rapariga abre-lhe a porta. O asceta olha-a demoradamente e esquece o motivo que ali o levou. Entra na casa e os pais da jovem recebem-no com o respeito devido a um santo. O tempo passa. Nârada acaba por casar com a rapariga e conhece as alegrias do casamento e a  duração de uma vida de camponês. Passam-se doze anos: Nârada tem agora três filhos e após a morte do sogro torna-se proprietário da quinta. Mas no fim do décimo segundo ano, chuvas torrenciais acabam por inundar a região. Numa só noite os rebanhos perecem afogados e a casa desmorona-se. Segurando com uma das mãos a mulher, com a outra dois filhos e levando o mais pequeno ao ombro, Nârada caminha com dificuldade através da água. Mas o fardo é por demais pesado.

Escorregando, o pequeno cai na água. Nârada larga os outros dois e faz tudo para o encontrar. Demasiado tarde: a corrente levou-o para longe. Enquanto procurou o mais pequeno os outros desapareceram tragados pelas águas; pouco tempo depois a mulher tem a mesma sorte. O próprio Nârada cai e a corrente arrasta-o, inconsciente como um pedaço de madeira. Quando desperta atirado sobre uma rocha, lembra-se das suas infelicidades e rompe em soluços. Mas, de repente, ouve uma voz familiar: “Filho, onde está a água que devias trazer-me? Espero-te há mais de meia-hora!” Nârada volta a cabeça e olha. Em lugar da cheia que tudo destruíra, vê campos desertos, brilhando ao sol. “Compreendes agora o segredo do meu mâyâ?” —pergunta-lhe o deus.

Evidentemente que Nârada não podia afirmar que tinha compreendido tudo; mas aprendera uma coisa essencial: sabia agora que a Mâyâ cósmica de Visnu se manifesta através do tempo.(ELIADE, 1978, p.69-70)

Neste conto, ao ensinar sobre sua Maya cósmica, Visnu ensina acerca do tempo e da existência. Todo o período de 12 anos experimentado por Narada, não passou de poucos minutos para Visnu, toda a experiência de vida de Narada, se dissolveu. A maya de Visnu se manifesta no tempo e na experiência da realidade. Acerca da Maya Heinrich Zimmer comenta

O substantivo  mâyâ relaciona-se etimológicamente com ´medida´. É formado pela raiz mâ, que significa medir ou traçar (como por exemplo, a planta de uma construção ou esboço de um desenho), produzir, dar forma ou criar,  revelar.Mâyâ é a medição, criação, ou manifestação das formas; é qualquer ilusão, artificio, ilusionismo, fraude, embuste, sortilégio ou obra de feitiçaria; aparição ou imagem ilusória, fantasmagoria, ilusão de ótica; é também qualquer estratagema diplomático ou artifício político cuja a intenção seja enganar. A mâyâ dos deuses é o poder que têm de assumir diversas formas, exibindo, segundo sua vontade, vários aspectos de sua essência sutil. Mas são, os próprios deuses, a produção de uma mâyâ maior: a espontânea autotransformação de uma substância de origem indiferenciada, divina e onigeratriz. Essa mâyâ maior não produz apenas os deuses, mas o universo em que atuam. (…)

Mâyâ é a Existência: tanto o mundo compreendido por nossa percepção quanto nós próprios que, inseridos nesse meio que se expande e dissolve, também nos desenvolvemos e dissolvemos.(…)

O ego é enredado numa teia num estranho casulo: ´tudo isso à minha volta´ e ´minha própria existência´ – experiência externa e interna – são a urdidura e a trama do tecido sutil. (…) Mâyâ – o mundo, a vida, o ego, aos quais nos agarramos – é fugaz e evanescente como a nuvem e  a névoa. (ZIMMER, 1989, p. 30-1)

Maya é um conceito ou ideia complicado para nós ocidentais.  A tradução mais utilizada é a de “ilusão”, mas, esta não deve ser vista como algo negativo, pois, indica a dimensão da aparência que proporciona delimitações, formas, que nos permitem a experiência da existência. Maya revela a transformação, transitoriedade – por isso mesmo, Zimmer aponta sua fugacidade. Assim, que os deuses se manifestam no mundo dos homens através de sua Maya, isto é, seus inúmeros avatares , que são constituem uma revelação do parcial do deus total. Assim, a Maya nos confronta com o que é parcial e total, aparente e oculto, perene e efêmero. Nosso mundo contemporâneo se tornou escravo do tempo do tempo cronológico, dos 12 anos vividos por Narada, onde, perdendo o contato com a realidade supraordenada, com o tempo fora do tempo, com o tempo mítico, dos sonhos, do sagrado. Devemos frisar que não estamos defendendo concepção religiosa a falar do tempo sagrado mas, apontando que essa dimensão do sagrado e do mito interferem diretamente em nossa psique, pois, estão na mesma ordem da dinâmica do inconsciente.

O tempo efetivo para o desenvolvimento da análise é o tempo do inconsciente. Contudo, não devemos encarar esse fato como se fosse algo extremamente longo, pois, na verdade, a disponibilidade da consciência em lidar ou aceitar os conteúdo do inconsciente também influencia bastante o processo terapeutico. Por mais que existam cobranças acerca dos “meses” ou “anos” de análise/terapia, esse tempo cronológico ou do calendário não afeta o tempo do inconsciente.

O tempo do inconsciente é compreendido como atemporal, ou um tempo fora do tempo. Isto porque as categorias que utilizamos conscientemente não se aplicam ao inconsciente. O passado, presente e futuro (como uma tendência para o futuro) se acham unidos, indistintamente. Devemos ter em vista os complexos ideoafetivos, entorno dos quais nossa história pessoal se organiza, mantém os aspectos mais importantes (positivos ou negativos) ativos e atualizados. Desta forma, elementos da infância com forte carga emocional podem interferir na vida de um adulto ou idoso. Não é algo do passado que afeta, mas, desde o passado que afeta o individuo. A esse respeito Jung afirmou

A verdadeira causa da neurose está no hoje, pois ela existe no presente. Não é de forma alguma um caput mortuum que aqui se encontra, vinda do passado, mas é nutrida diariamente e, por assim dizer, sempre de novo gerada. Somente no hoje e não no ontem será “curada” a neurose. Pelo fato de nos defrontrarmos hoje com o conflito neurótico, a digressão histórica é um rodeio, quando não um desvio, a digressão para milhares de possibilidades de fantasias obscenas ou para desejos infantis não realizados é mero pretexto para fugir do essencial. (JUNG, 2000, p.161-2)

Algumas pessoas tentam determinar o “tempo do sintoma”, isto é, o momento histórico no qual uma possível causa do sintoma tenha ocorrido, como se isso fosse determinante para a cura. Como dissemos acima, o tempo do inconsciente é diferente do tempo do cronológico da vida do sujeito, os acontecimentos passados nos oferecem pistas(muitas vezes valiosas). Mas, não passam de pistas. Descobrir o evento que detonou um crise, nos ajuda a compreender, mas, sem uma mudança de vida, vira apenas um exercício intelectual. Uma maya – uma ilusão- que nos permite vislumbrar um detalhe, mas, não o todo do fenômeno.

Quando falamos do tempo associado ao sintoma, acredito que deveríamos compreendo-lo não termos históricos mas, em termos de mito, isto é, do “mito pessoal” de cada individuo. Mircea Eliade definia o mito como um modelo exemplar, uma referência da daria sentido e legitimidade as ações, segundo o mesmo

O mito conta uma história sagrada, quer dizer, um acontecimento primordial que teve lugar no começo do Tempo, ab initio. Mas contar uma história sagrada equivale a revelar um mistério, pois as personagens do mito não são seres humanos: são deuses ou Heróis civilizadores. Por esta razão suas gesta constituem mistérios: o homem não poderia conhecê-los se não lhe fossem revelados. O mito é pois a história do que se passou in illo tempore, a narração daquilo que os deuses ou os Seres divinos fizeram no começo do Tempo. “Dizer” um mito é proclamar o que se passou ab origine. Uma vez “dito”, quer dizer, revelado, o mito torna-se verdade apodítica: funda a verdade absoluta. “É assim porque foi dito que é assim”, declaram os esquimós netsilik a fim de justificar a validade de sua história sagrada e suas tradições religiosas. O mito proclama a aparição de uma nova “situação” cósmica ou de um acontecimento primordial. Portanto, é sempre a narração de uma “criação”: conta se como qualquer coisa foi efetuada, começou a ser. É por isso que o mito é solidário da ontologia: só fala das realidades, do que aconteceu realmente, do que se manifestou plenamente. (Eliade, 2001, p.84)

O mito pessoal revela a nossa “verdade verdadeira”. A história que nos constitui e, desde sempre, e nos possibilita ser quem somos, por isso, para Jung o sintoma não ocultava, mas, em sua própria linguagem revelava a história significativa e simbólica do sujeito. Ela não está encerrada no passado distante da infância, mas, está no hoje. É um modelo em torno do qual nos orientamos e nossas ações reatualizam este mito, o modelo exemplar que se coloca no hoje, desde aquele tempo. Não é uma repetição vazia ao passado, mas, um movimento que resgata a vida do individuo desde o passado, que se encontra vivo no presente.

Trata-se, em suma, de um regresso ao Tempo de origem, cujo fim terapêutico é começar outra vez a existência, nascer (simbolicamente) de novo. A concepção subjacente a esses rituais de cura parece ser a seguinte: a Vida não pode ser reparada, mas somente recriada pela repetição simbólica da cosmogonia, pois, como já dissemos, a cosmogonia é o modelo exemplar de toda criação. (Eliade, 2001, p. 74 – grifos do autor)

O passado não pode ser reparado ou modificado, mas, uma vez que o mito (pessoal) é integrado torna-se possível recriação, uma ressignificação da experiência da realidade. O tempo de assimilação e ressignificação vai variar de individuo para individuo. Assim, julgar o “tempo de terapia” apenas pelo calendário não só equivocado como é injusto com cada individuo. Apesar do tempo ser um fator importante, não é ele que vai determinar o avanço da psicoterapia. Isso exige serenidade do terapeuta tanto para aceitar o tempo de cada um como lidar com as cobranças em função do tempo.

A particularidade do tempo de cada um é um aspecto de sua realidade psíquica. Quando estão muito dissociadas de seu mundo interior algumas pessoas não conseguem se compreender em seu processo de desenvolvimento. Isto é, aprisionadas na perspectiva seu mito pessoal, não conseguem se perceber em sua própria história, ignorando muitas de suas realizações. Isso se reflete na terapia como a dificuldade do paciente em perceber as mudanças que lhe ocorrem ao longo do processo terapêutico, julgando todo o processo pelas dificuldades que enfrentam no “momento atual” da terapia, afirmando “continuam no mesmo lugar”.  A dificuldade de integrar o “passado e presente” implica na dificuldade se criar o futuro – isto é, de se permitir uma nova possibilidade. Seu mito pessoal, torna-se como um labirinto. Assim, se sentem continuamente dependentes, temerosos ou fragilizados frente aos novos desafios da vida. Somente com a serenidade e paciência, o analista, poderá segurar pelo tempo necessário o fio de Ariadne que conduzirá o paciente para fora de seu próprio labirinto.

O tempo é maya, somente com a compreensão de que o tempo da realidade psíquica de cada um é impar, a transformação pode acontecer. O tempo é maya, não no sentido comum de “ilusão”, mas, da existência que se transforma. Compreender o tempo na psicoterapia como uma das faces do processo contínuo de vir-a-ser, é um passo para integrarmos nossa própria maya.

Referências bibliográficas

ELIADE, M. Imagens e Símbolos, Lisboa:Ed. Arcádia, 1978.

ELIADE M, O Sagrado e o Profano, São Paulo: Martins Fontes, 2001

JUNG, Civilização em Transição,Petrópolis: Vozes, 2000.

ZIMMER, H. Mitos e Símbolos na Arte e na Cultura da Índia, São Paulo:Ed. Palas Athena, 1989.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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