“As Mulheres de Chifres”: alteridade e individuação

Há muito tempo eu não comento filmes ou contos de fadas no site. Acredito que seja importante retomar essa prática, assim, escolhi um conto de fadas celta que, recentemente, foi discutido no grupo Aion,

As Mulheres de Chifres

Uma rica mulher estava sentada, tarde da noite, cardando e preparando a lã, enquanto toda a família e os criados dormiam. Subitamente ouviu uma batida na porta, e voz chamou:

“Abra! Abra!” “Quem está aí?”, disse a dona da casa.

“Eu sou a Feiticeira de um Chifre”, foi a resposta.

A mulher, supondo tratar-se de alguma vizinha pedindo ajuda, abriu a porta e uma mulher entrou, levando nas mãos um par de cardadores, e tendo na testa um chifre, como que nascido ali. Sentou-se em siléncio junto ao fogo e começou a cardar a lã com violenta pressa. Subitamente ela parou, e disse em voz alta: “Onde estão as mulheres? Estão demorando muito.”

Então se ouviu uma segunda batida na porta, e uma voz chamou, como antes: ”Abra! Abra!”

A dona da casa sentiu-se obrigada a se levantar e abrir a porta. Imediatamente outra feiticeira entrou, com dois chifres na testa e uma roca de fiar lã nas mãos.

“Dê-me um lugar para sentar”, disse ela, “eu sou a feiticeira dos dois chifres”, e começou a fiar veloz como um raio. E assim as batidas na porta prosseguiram, as chamadas eram ouvidas, e as feiticeiras iam entrando, até que finalmente havia doze mulheres sentadas ao redor do fogo, a primeira com um chifre e a última com doze.

E elas cardaram o fio, e giraram suas rocas de fiar, e tricotaram e teceram, todas cantando juntas uma antiga canção, mas não dirigiram uma única palavra a dona da casa. Era estranho de se ouvir e assustador de se ver essas doze mulheres, com seus chifres e suas rocas; e a dona da casa quase desmaiou; tentou levantar-se para chamar ajuda, mas não conseguiu mover-se nem pronunciar uma palavra, nem mesmo gritar, pois as feiticeiras haviam-na enfeitiçado.

Então uma delas a chamou em irlandês e disse: “Levante-se mulher, e faça um bolo para nós. ”

A dona da casa foi pegar uma vasilha para trazer agua do poço e mistura-la a farinha, para fazer o bolo, mas não conseguiu encontrar nenhuma.

Então elas disseram a ela: “Pegue uma peneira e traga a água dentro dela.”

Ela pegou a peneira e foi até o poço, mas a agua passava pelos furos da peneira e assim a mulher não conseguiu pegar nem um pouco para fazer o bolo então sentou-se junto ao poço e chorou. Subitamente ouviu uma voz perto dela que disse: “Pegue argila ocre e musgo, misture-os e forre a peneira com a pasta, assim ela vai segurar a agua dentro dela. ”

Foi o que a mulher fez, e a peneira segurou a agua para o bolo, e a voz disse novamente:

“Volta para casa, e quando chegar ao canto norte, grite alto três vezes dizendo: “A Montanha das Mulheres Fenianas e o céu sobre elas estão Pegando fogo! “

Foi o que ela fez. Quando as feiticeiras lá dentro ouviram o chamado, um grito enorme e terrível irrompeu de seus lábios e elas correram para fora soltando gritos estridentes e lamentos, e fugiram para Slievenamon, sua morada primordial. Mas o Espírito do Poço pediu a dona da casa que entrasse e preparasse a casa contra os feitiços das bruxas, caso elas voltassem.

Primeiro, para romper os encantamentos, ela borrifou a agua na qual lavara os pés de seu filho, a “água do lava-pés”, do lado de fora da porta, na soleira; depois, pegou o bolo que as feiticeiras haviam feito em sua ausência, de farinha misturada ao sangue sugado da família adormecida, cortou-o em pedaços, colocou um pedaço na boca de cada um dos adormecidos, e eles recuperaram a saúde. Então pegou o pano que haviam tecido e colocou metade fora e metade dentro do baú fechado com cadeado, e finalmente travou a porta com uma grande tramela presa aos batentes, para que as bruxas não pudessem entrar, e, ao terminar de fazer essas coisas todas, ficou aguardando.

Não demorou muito para que as feiticeiras voltassem, com muita raiva e clamando por vingança.

“Abra! Abra! ”, gritaram, “abra, água do lava-pés!” “Não posso”, disse a agua de lava-pés, “estou toda esparramada pelo chão, e minha trajetória vai até o lago. ”

“Abram, abram, madeira, árvores e tramela”, gritaram elas para a porta.

“Não posso”, disse a porta, ‘a tramela esta pregada nos batentes e não tenho força para movê-la”

“Abra, abra, bolo que fizemos e que misturamos com sangue“, gritaram elas de novo.

“Não posso”, disse o bolo, “estou quebrado e macerado‘ e meu sangue está nos lábios das crianças adormecidas.”

Então as feiticeiras voaram pelos ares dando gritos estridentes, e fugiram para Slievenamon, lançando estranhas maldições ao Espírito do Poço que desejara a sua destruição. A mulher e a casa foram deixadas em paz, e um xale perdido por uma das feiticeiras em sua fuga foi guardado pela dona da casa como lembrança daquela noite; esse xale permaneceu na mesma família, passando de geração em geração, durante mais de quinhentos anos. (Jacobs, 2003, 43-6)

Este é um belo e intrigante conto sobre o feminino.  Um conto que difere do que estamos acostumados a ler em Cinderela, branca de neve, bicho peludo dentre outros, onde a heroína ou protagonista é uma jovem maltrada, órfã e abandonada que precisa ser salva, redimida e cujo final frequentemente é o casamento (coniunticio).

Neste conto, a protagonista é uma mulher rica, mãe, supostamente casada (não é relatado no conto) e com criados – ou seja, uma mulher numa situação confortável na vida. Contudo algo estava errado. Ela cardava até tarde da noite,

Fig. 1 -Carda

quando todos dormiam.

Devemos considerar que a insônia é um sinal de que algo está errado. Ela não estava no mesmo compasso da família e dos empregados, enquanto todos dormiam ela ficava desperta e a sós.  O trabalho de cardar era o processo de desemaranhar as fibras da lã (vide Figura 1), como se penteasse, organizando a lã para iniciar o processo da tecelagem.

Não muito diferente do que fazemos quando na calada da noite, na insônia, quando tentamos desembaraçar e desemaranhar nossos pensamentos.

Voltando ao conto, nossa protagonista estava desperta tarde da noite, e esta última, a noite, como a escuridão ou floresta sempre nos remetem ao desconhecido, isto é, ao inconsciente. Estando a personagem sozinha a noite, em sua “noite escura da alma” recebeu a visita das estranhas mulheres com chifres.

Não sabemos o que acontecia com aquela mulher, o que lhe tirava sono, mas, nos chama a atenção que as feiticeiras que ao chegarem tomam parte do processo que a protagonista iniciara, fazendo melhor e mais rápido. E a cada uma que chegava. Cada vez que a uma feiticeira chegava ela tomava seu assento e parte do processo de produção. E, sutilmente tomavam o lugar da protagonista de suas funções na casa. Cardavam, fiavam e teciam, esse trabalho é muito especial e simbólico. Entre gregos antigos, por exemplo, as Moiras que fiavam de teciam o destino dos mortais, os nórdicos do mesmo modo possuíam nas Nornas à sombra de Yggdrasil que executavam a mesma função.

Como poderíamos pensar as feiticeiras a partir do referencial junguiano? Num olhar rápido, afirmaríamos sem dúvidas que representam a “sombra”. De fato, as feiticeiras representam o inconsciente se opondo a nossa protagonista. Contudo, tudo que está no inconsciente está no espectro da sombra. Podemos algumas outras ideias quando percebemos que feiticeiras conduzem nossa protagonista em direção à uma realidade mais profunda ao espirito do poço e, assim, a si mesma.

As feiticeiras possuíam atributos de poder como os chifres, a velocidade e os encantamentos. No texto, vemos falar da “montanha das mulheres fenianas” o termo feniano remonta aos antigos guerreiros irlandeses. Enfim, as feiticeiras representam um outro potencial do feminino não desenvolvido ou alcançado pela nossa protagonista, tanto que ela fica “encantada”, paralisada diante dessas mulheres.

A oposição entre a realidade da protagonista e as feiticeiras e a função desempenhadas por essas últimas, nos fazem pensar no dinamismo da alteridade. Jung descreveu a dinâmica do arquétipo da alteridade a partir das imagens representacionais da Anima (o feminino nos homens) e o Animus (o masculino nas mulheres).

Animus e anima são maneiras de comunicar a alteridade, a diferença, aquilo que momentaneamente está indisponível devido ‘a inconsciência. Animus e anima falam, então, do inesperado, daquilo está “fora de ordem”, que ofende à ordem dominante. (SAMUELS, 1989, p.254)

Restringir o masculino ao inconsciente da mulher e o feminino ao inconsciente do homem é ignorar que “mulheres e homens têm, respectivamente, uma feminilidade e uma masculinidade inconscientes” (Samuels, 1989, p. 255).Nesse aspecto, as feiticeiras representam a alteridade  (ou a anima) de nossa protagonista, um princípio oposto ao ego, forte e ativo que precisa ser integrado.

Voltando ao conto, as feiticeiras ordenam que a protagonista prepare um bolo, mas, como ela não encontra nenhum recipiente para buscar água, as feiticeiras mandam que ela utilize uma peneira. E assim, ela faz, utiliza uma peneira para buscar a água, mas, obviamente, não a conseguia retê-la.

É interessante pensarmos nessa cena, ela tentando pegar água com a peneira. Nós temos um ditado popular que vai ao encontro desta cena, que é o “tampar o sol com a peneira”, que nos fala das atitudes repetitivas e inúteis que fazemos que na verdade apenas mascaram os problemas, sem nem chegar perto de resolvê-los. Depois, de não ter sucesso em pegar a água com a peneira. Ela senta e chora.

Sentar e chorar é uma forma de reconhecer as próprias limitações. Reconhecer que precisamos de ajuda. O processo de individuação é, muitas vezes, experimentado como uma crise, pois, para o ego reconhecer o seu real tamanho e perceber que é parte de uma totalidade maior que ele mesmo, e isso é experimentado como uma derrota.  Nossa protagonista, reconhecendo suas limitações, ao sentar e chorar, permitiu-se ouvir o espirito do poço.

O espirito do poço a orienta não só como pegar a água usando argila ocre e musgo, mas, como se livrar (ou enfrentar) as feiticeiras.  É importante considerarmos que o poço, a fonte de água e vida sempre esteve à disposição da casa e da família, talvez por possuir criados é possível nossa protagonista não tivesse o habito de ir até o poço.

Além de mostrar como afastar as feiticeiras, o poço instrui sobre como desfazer os feitiços das bruxas, que estavam com 4 elementos: na água de lava-pés, no bolo feito com sangue, o pano tecido pelas bruxas e a porta/tramela.

A agua de lava-pés ou o lava-pés nos fala de hospitalidade. Era comum no mundo antigo, quando um visitante chegava que tivesse os pés lavados como sinal de honra e reconhecimento. Esse ritual foi incorporado na cultura cristã, através da Cerimônia do Lava-pés, onde é revivido o momento onde Cristo lavou os pés dos discípulos, em sinal de humildade.  Quando o espirito do poço diz a protagonista para jogar a água do lava-pés, fora jogar fora a água da receptividade, da passividade, trazendo a mesma a uma postura ativa e corajosa.

O bolo nos fala da nutrição e de vida. Quando as feiticeiras mandam a protagonista fazer o bolo, elas destituem ela do lugar de dona casa e a colocam no lugar criada. Quando ela retorna do poço, já havia um bolo, que fora feito com o sangue de sua família. Ao dividir e macerar o bolo e colocar o bolo na boca de seus filhos, ela assume seu lugar materno, nutrindo e restituindo a saúde a seus filhos.

A porta é o limite, é onde o mundo interior e exterior se encontram. Pregar a tramela  é fixar o limite, impedindo a entrada ou invasão de sua casa, nossa protagonista se torna de fato senhora de si e de seu lar. Muitas vezes fixar o limite é um grande desafio em nossas vidas, dizer não, colocar pessoas para fora de nossas vidas se apresenta como um momento decisivo em nossas.

Devemos notar que as feiticeiras não chamaram o pano que teceram, que ficou em parte oculto, preso no interior do baú e parte fora do mesmo. Na verdade, esse pano já não pertencia as feiticeiras, era uma nova tessitura da personalidade da protagonista. O que no início do conto do encontro eram fibras emaranhadas e embaraçadas marcando o momento da insônia, se torna um tecido novo, indicando a força e potência.

 Da mesma forma, o xale perdido a uma das feiticeiras, é adotado pela protagonista, como símbolo daquela noite, onde ela enfrentou e venceu as feiticeiras, de certa forma, ela mesma se tornando “feniana”. O xale passa pertencer a protagonista e que passado através das gerações como símbolo daquela noite, onde a mulher rica se tornou de fato senhora de sua casa e sua vida.

Referências Bibliográficas

JACOBS, Joseph. Contos de fadas celtas. São Paulo: Landy, 2003.

 SAMUELS, Andrew, Jung e os Pós-junguianos, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1989.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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Ocupação das Escolas no Brasil : Heroísmo e Individuação

Nos últimos dias temos visto crescer o número de escolas e universidades ocupadas por estudantes em nosso país. Essas ocupações são uma expressão de vida e resistência contra o total descaso do governo com a educação, com a saúde e com o futuro de nosso país. A reforma do ensino médio, a proposta de “escola sem partido” e a PEC 241 que impõe o teto aos gastos públicos, explicitam não só que a crise econômica que vivemos mas, uma grave crise moral que ainda precisamos a enfrentar: da naturalização das desigualdades, da corrupção e da culpabilização dos oprimidos.

Diante desta realidade, temos a ocupação das escolas e, tivemos o indescritível discurso da adolescente Ana Julia Pires Ribeiro (PR) na Assembleia Legislativa do Paraná(ALEP) (vide vídeo abaixo). Devemos ter clareza que, quando na psicologia junguiana falamos de individuação, de arquétipos e mitos (em especial do herói), falamos da realidade em que vivemos no aqui e no agora! E por isso mesmo não podemos deixar de reconhecer e viver um momento arquetípico que vivemos. Nada expressa tão bem o impulso heroico que a busca pela transformação, enfretamento de injustiças sociais, a defesa da cidadania e a luta pelo bem comum.

Jung afirmava que “O processo de individuação tem dois aspectos fundamentais: por um lado, é um processo interior e subjetivo de integração, por outro, é um processo objetivo de relação com o outro, tão indispensável quanto o primeiro” (Jung, 1999, p. 101). Precisamos ter clareza que a nossa individuação está sempre em relação com a individuação do outro, com o processo individuação de nossa época.  Individuação implica em contato, experiência e abertura.

Dessa forma, não basta tentar “compreender intelectualmente” o fenômeno das ocupações nas escolas; é necessário nos permitir viver, participar, ser afetado e tomar parte. O impulso de individuação, o impulso heroico sempre se confronta com as forças do “status quo”, com a resistência à transformação que muitas vezes se manifesta pela desqualificação dos agentes de mudança ou com a imposição do medo. Isso ocorre tanto no indivíduo (na neurose pessoal) quanto na esfera coletiva – por meio, do jogo de desinformação, as acusações e tudo que promova a imobilidade e a estagnação.

O dinamismo arquetípico do herói se faz no enfrentamento, no movimento, na esperança, na aposta da mudança. Essa é energia necessária ao processo de individuação, e individuação exige responsabilidade – consigo mesmo e com o outro, com o particular e com o coletivo. Assumir essa responsabilidade diante da vida é compreender a individuação.

O discurso da estudante Ana Julia Pires Ribeiro teve repercussão internacional mobilizando inúmeras pessoas tanto a favor quanto contra. O mais importante é que nos chama a responsabilidade pela educação, pela juventude e pelo futuro. A juventude sempre foi a anunciadora da mudança, da possibilidade e transformação. Em nossa realidade, creio que devemos nos mobilizar, nos afetar diante da força e entusiasmo dos jovens de nosso país. Para assim, apoia-los, contribuindo com suas necessidades no processo de ocupação e, assim podermos vivenciar juntos o processo de transformação social que precisamos.

“Toda referência ao arquétipo, seja experimentada ou apenas dita, é “perturbadora”, isto é, ela atua, pois ela solta em nós uma voz muito mais poderosa do que a nossa. Quem fala através de imagens primordiais, fala como se tivesse mil vozes; comove e subjuga, elevando simultaneamente aquilo que qualifica de único e efêmero na espera do contínuo devir, eleva o destino pessoal ao destino da humanidade. E com isso solta em nós aquelas forças benéficas que desde sempre possibilitaram a humanidade salvar-se de todos os perigos e também sobreviver à mais longa noite.” (JUNG, 1999b, p. 70).

 

Referências bibliográficas

JUNG, C.G. Ab-reação Analise de Sonhos, Transferência, Petropolis:Vozes, 1999.

JUNG, C.G. O espirito na arte e na ciência, Petropolis: Vozes, 1999b

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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28a Edição do Moitará – Dos filhos deste solo és mãe gentil?

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Informações disponiveis no site: http://sbpa.org.br/portal/28o-moitara-dos-filhos-deste-solo-es-mae-gentil/ 
PALESTRANTES CONFIRMADOS

  • Augusto Capelo, médico psiquiatra pela UNIFESP e membro analista da SBPA/IAAP;
  • Ana Letícia de Fiori, mestre em antropologia social e roteirista do game “Huni Kuin: os caminhos da jiboia”;
  • Iraci Galiás, médica psiquiatra pela UNIFESP e membro analista da SBPA/IAAP. É cofundadora da SBPA;
  • Larissa Leite, advogada, doutora em direitos humanos pela USP. É coordenadora de proteção do Centro de Referência para Refugiados, na Caritas Arquidiocesana de São Paulo;
  • Marco Heleno Barreto, psicólogo pela UFMG, especialista em psicologia clínica e professor doutor em filosofia pela UFMG;
  • Marcia Tiburi, doutora em filosofia pela UFRGS e escritora.
  • Carlos Amadeu B. Byington, médico psiquiatra pela UNIFESP e membro analista da SBPA/IAAP. É cofundador da SBPA;
  • Sylvia Gouvêa, educadora e cofundadora da Escola Lourenço Castanho;
  • José Guilherme C. Magnani, professor titular do departamento de antropologia da USP;
  • Maria Rita Kehl, psicanalista, jornalista e escritora;
  • Rodney Galan Taboada, médico psiquiatra pela UNIFESP e membro analista da SBPA/IAAP;
  • Sérgio B. Andreoli, médico psiquiatra pela UNIFESP e professor adjunto da UNIFESP.


INSCRIÇÕES

Investimento:
Estudantes de graduação têm 20% de desconto no preço do evento, isto é, o desconto não abrange o preço de hospedagem. É necessário solicitar orçamento por e-mail: sbpa@sbpa.org.br.

Atenção: não há mais disponibilidade de acomodações no hotel Orotur, onde o evento será realizado. A SBPA poderá ajudar-lhe sugerindo uma alternativa.

Preço por pessoa sem hospedagem nem pensão completa: R$ 715,00.

Atenção: nesta modalidade, as refeições realizadas no Orotur serão cobradas à parte da pessoa participante. Preços acordados: R$ 55,00/almoço ou jantar (bebidas não incluídas); R$ 28,00/café da manhã; R$ 16,00/coffee-break.

Formas de pagamento:

  • até dia 30 de agosto de 2016: à vista ou em 3 parcelas iguais e mensais;
  • entre 1º e 30 de setembro de 2016: à vista ou em 2 parcelas iguais e mensais;
  • a partir de 1º de outubro de 2016: somente pagamento à vista.

Atenção: as inscrições serão efetivadas somente mediante a confirmação do pagamento.

Entre em contato com a SBPA-SP:
sbpa@sbpa.org.br;
Secretaria de cursos: R. Dr. Fláquer, 63, Paraíso, São Paulo, SP.

Vagas limitadas.
Leia nossas políticas de inscrições e cancelamentos.


Comissão Moitará:

Elaine Franzini Soria

Elza Maria Lopes

Fernanda Moreira

Letícia Taboada

Luciana Bagatella

Priscilla Wacker

Tito Cavalcanti

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Programação do XXIII Congresso Nacional da AJB – A Práxis Analítica

Prezados, 

Hoje foi divulgada a a programação científica do XXIII Congresso Nacional da AJB, que acontecerá em Ouro Preto, de 17 a 20 de Novembro de 2016.

Abaixo segue a programação disponibilizada no site: www.congresso2016.com.br

abraços,

Fabrício Moraes

congresso


PROGRAMAÇÃO CIENTÍFICA

16 de novembro de 2016

Hotel Solar do Rosário: Rua Getúlio Vargas, 270

14:00 Assembléia dos Membros da Associação Junguiana do Brasil (AJB)

17 de novembro de 2016

Auditório Tiradentes B

08:30 | 12:30 Reunião dos Candidatos a Analistas da AJB

 12:30 | 14:00 Almoço por adesão

 Auditório São João Del Rei

14:00 | 14:15 Abertura do Congresso
Discurso de boas-vindas da Presidente do Instituto C. G. Jung de MG e convite para composição da mesa
Jussara César e Melo

14:15  Execução do Hino Nacional
Ana Cristina Rocha

14:20 | 14:45 Discurso do Presidente da AJB
Gelson Luiz Roberto

14:45 | 16:00 A práxis analítica: desafios atuais
Conferencista: Gelson Luiz Roberto

16:00 | 16:30 Espetáculo de mágica, música e Imaginação
Artistas: Dennerson Rocha e Ana Cristina Rocha

 16:30 | 17:00 Coffee Break

 17:00 | 19:00 The Relevance of Complex Ecological Networks to the Practice of Analytical Psychology
Conferencista: Joseph Cambray

 19:30  Coquetel

18 de novembro de 2016

09:00 | 10:00 Mesa de temas livres

Auditório São João Del ReiO Processo de Individuação e Análise
Moderadora: Solange Missagia de Mattos
  • Áurea Helena Pinheiro Roitman
  • Tereza Caribé
Auditório Tiradentes A
Nietzsche e o Processo de Individuação
Moderador: Fernando Andrade
  • Nietzsche e o Processo de Individuação
  • O Processo de Individuação em Nietzsche e Munch
Auditório Tiradentes B
Puer na Clínica Analítica
Moderador: a definir
  • Adultescente-Canguru e sua Bolsa Marsupial: um Olhar sobre os Complexos Familiares
  • Imagens do Puer Aeternus em Dois Pacientes no Rio de Janeiro
  • O Processo do Pequeno Príncipe: uma Introdução ao Arquétipo do Puer Aeternus
Auditório Tiradentes C
A Experiência Junguiana na Clínica da Psicose
Moderador: a definir
  • Prática Analítica: Conflito e Criatividade na Clínica das Psicoses
  • A Práxis Analítica – o Encontro Criativo. Nise da Silveira & Jung. Arte ou Loucura?
  • Sr. Filinto: o Processo de Transformação na Análise Junguiana da Experiência Psicótica
Auditório Tiradentes D
Relacionamento Amoroso
Moderadora: Eneide de Souza Caetano
  • A Reconquista do Amor Ferido – Reflexos do Mito de Eros e Psiquê na Relação Analítica
  • Infidelidade e Individuação: uma Análise Simbólica do Filme “Os Belos Dias”
  • Transformações na Dinâmica das Relações Conjugais: uma Análise Junguiana

10:00 | 10:30 Coffee Break

 Auditório São João Del Rei

10:30 | 12:00 Trazendo a alma ao consultório
Conferencista: José James de Castro Barros

 12:00 | 14:00 Almoço por adesão

 14:00 | 15:30 Reavaliando a Práxis Junguiana
Conferencista: Glauco Ulson

15:30 | 16:30 Mesas redondas

Auditório São João Del Rei
Análise de Criança
Moderadora: Daniela Gauzzi Nogueira
  • Análise de Criança
  • Psicopatologia Infantil e Psicologia Analítica: Estudo de Caso de uma Criança com Diagnóstico de Esquizofrenia
  • Sonhos de Crianças: uma Proposta de Pesquisa para uma Abordagem Simbólica do Desenvolvimento do Ego Infantil
Auditório Tiradentes A
O Corpo na Clínica
Moderador: a definir
  • A Mulher Obesa na Contemporaneidade. Apontamentos da Psicologia Analítica
  • Psicologia Junguiana na Contemporaneidade: a Doença Psicossomática como Reflexo do Desequilíbrio nas Relações Coletivas
  • Trabalho Corporal com Adolescentes como Espaço para Sentir e Ser
Auditório Tiradentes B
A técnica da Imaginação Ativa
Moderadora: Adelaide Pimenta
  • A Técnica da Imaginação Ativa de Jung
  • A Invasão de Pã na Clínica Junguiana
  • Paisagem Psíquica: uma Técnica Expressiva Fundamentada na Psicologia Analítica
Auditório Tiradentes C
Reflexões sobre a Sombra
Moderador: a definir
  • Da Tragédia Grega ao Setting Analítico – Reflexões sobre o Suicídio
  • A Práxis Tipológica Aplicada a uma Instituição de Saúde: Possibilidades de Intervenção Centrada no Potencial de Pacientes Oncológicos
  • Considerações sobre o Encontro com a Sombra em um Estudo de Caso
Auditório Tiradentes D
A Mulher na Perspectiva da Psicologia Junguiana
Moderador: a definir
  • A Noiva – a Presença de um Arquétipo Promovendo o Equilíbrio na Prática Clínica
  • A Relação do Complexo Materno e as Representações dos Papéis Sociais da Mulher
  • Maria Degolada, Violência Doméstica Contra a Mulher na Perspectiva da Psicologia Junguiana

16:30 | 17:00 Coffee Break

 Auditório São João Del Rei

17:00 | 18:30 A totatilidade corpo-mente na clínica. Corpo, transferência e psicopatologia
Conferencista: Walter Fonseca Boechat

18:30 | 19:30 Mesas redondas

Auditório São João Del ReiTransferência e Contra-Transferência
Moderadora: Lunalva Chagas
  • Transferência e Contra-Transferência
  • Somos Dois e Somos Muitos – o Impacto da Transferência e Contratransferência num Atendimento Clínico
  • Trivialidades e Penetrações: Transferência e Alma em Dois Processos Analíticos com Base na Psicologia Arquetípica
Auditório Tiradentes A
Mito e Análise
Moderadora: Josiane Sá de Oliveira Pádua
  • Mito e Análise
  • A Constelação do Mito de Deméter e Perséfone em Mulheres com Câncer de Mama, através de Psicoterapia Breve por Imagens Alquímicas, denominada RIME, em Ambiente Hospitalar
  • A Integração das Polaridades Feminino-Masculino: da Mitologia Brasileira à Prática Clínica
Auditório Tiradentes B
Complexos Familiares
Moderador: a definir
  • A Influência da Constelação Familiar na Formação da Personalidade: um Estudo de Caso de John Rayburn, da Série Bloodline
  • Sol Niger e a História da Alma Familiar: uma Perspectiva Sistêmica na Abordagem Junguiana
  • Repetição do Complexo, Projeção e Individuação
Auditório Tiradentes C
O Jovem Analista Junguiano
Moderador: a definir
  • Implementação do Grupo de Estudos: os Primeiros Passos do Jovem Psicoterapeuta Junguiano
  • Reflexões sobre o Início do Ofício em Ser um Jovem Psicoterapeuta Junguiano
  • Equação Pessoal na Formação do Terapeuta – o Jovem Analista e suas Expectativas
Auditório Tiradentes D
A Prática Clínica com Adolescentes
Moderador: Luiz Guilherme Mafle
  • Pesquisa e Práxis: a Experiência Junguiana em Pesquisa Clínica sobre o Cuidado com Crianças e Adolescentes em Uso de Substâncias Psicoativas num CAPSi
  • Projeto de Vida de Adolescente Atendido por Casa de Acolhimento. Um Relato de Experiência de Atendimentos Clínico de um Adolescente Abrigado e o Atendimento com Arteterapia e Projeto de Vida
  • Redes Sociais Digitais: Desafios na Prática Clínica com Adolescentes

19:30 | 20:00 Lançamento de livros

19 de novembro de 2016

08:30 | 09:30 Mesas Redondas

Auditório São João Del ReiO Fim da Análise

Moderador: a definir

  • Fim da Análise
  • O Final da Análise
Auditório Tiradentes A
Sonhos na Prática Clínica
Moderador: a definir
  • Semeando Sonhos – o Desafio na Formação do Psicoterapeuta para a Aprendizagem do Trabalho com Sonhos na Prática Clínica
  • Quando Tanatos Adentra-se ao Temenos: o Relógio que Para
  • Sonhos: Mensagem da Alma na Práxis Analítica
Auditório Tiradentes B
Metanóia e o Amadurecimento do Adulto
Moderador: a definir
  • Clínica do Envelhecimento: Encontro com Imagens do Feminino
  • Metanóia: Caminhos para o Desenvolvimento no Meio da Vida
  • Um Novo Nascimento: a Passagem para o Adulto Maduro
Auditório Tiradentes C
A Criança, o Adolescente e a Família
Moderador: a definir
  • Adolescência, Complexo e Família
  • A Individuação como Possibilidade Familiar de Lidar com um Diagnóstico Incorreto
  • As Imagens e as Vivências no Processo Arteterapêutico em Unidade Hospitalar de Oncologia Pediátrica
Auditório Tiradentes D
Arte e Práxis Analítica
Moderador: a definir
  • Abordagens Expressivas na Psicologia Analítica
  • Criatividade, Arte e Representação Sobre a Via Régia da Psique
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Arquétipos, Representações Arquetípicas e o Processo de humanização

Fabrício Fonseca Moraes

Kelly Guimarães Tristão

Há pouco tempo conversamos no grupo “Aion – Estudos Junguianos” sobre arquétipos e humanização dos arquétipos. Tal conversa gerou o interesse e a sugestão para que fosse escrito um texto a esse respeito, especialmente no que tange ao aspecto da “humanização dos arquétipos”. Assim, este texto tem por objetivo revisar alguns pontos fundamentais da teoria dos arquétipos e discutir a relação das representações arquetípicas em nossa realidade psíquica.

O “Arquétipo em si”

O conceito de arquétipo é central no pensamento junguiano, contudo, frequentemente percebemos uma certa dificuldade para lidar e compreender o conceito em toda sua extensão. Um primeiro aspecto a ser considerado é a confusão entre arquétipo e imagem ou representação arquetípica.  Jung chamava a atenção para essa distinção,

Não devemos confundir as representações arquetípicas que nos são transmitidas pelo inconsciente com o arquétipo em si. Essas representações são estruturas amplamente variadas que nos remetem para uma forma básica irrepresentável que se caracteriza por certos elementos formais e determinados significados fundamentais, os quais, entretanto, só podem ser apreendidos de maneira aproximativa. O arquétipo em si é um fator psicóide que pertence, por assim dizer, à parte invisível e ultravioleta do espectro psíquico. Em si, parece que o arquétipo não é capaz de atingir a consciência. Se ouso formular esta hipótese, é porque qualquer coisa de natureza arquetípica percebida pela consciência parece representar um conjunto de variações sobre o mesmo tema fundamental. (…) parece-me provável que a verdadeira natureza do arquétipo é incapaz de tornar-se consciente, quer dizer, é transcendente, razão pela qual eu a chamo de psicóide. Além disto, qualquer arquétipo torna-se consciente a partir do momento em que é representado, e por esta razão difere, de maneira que não é possível determinar, daquilo que deu origem a essa representação. (Jung, 2000, p 150)

Para tornar mais clara essa distinção, penso que seja funcional compreender que toda vez que usamos o termo “arquétipo” seguido de um complemento, p.ex. “arquétipo da Grande mãe” ou “arquétipo do herói”, nos referindo a uma manifestação do arquétipo ou de um dinamismo arquetípico, nos referimos uma representação arquetípica. Da mesma maneira, toda vez que usamos a forma adjetivada “arquetípico” ou “arquetípica” nos referimos igualmente a uma representação ou imagem arquetípica. Quando, por outro lado,  nos referimos ao arquétipo como aquele aspecto fundamental do inconsciente coletivo, aos padrões basais de organização psíquica, nos quais o drama de nossa história evolutiva está sintetizado, aí estaremos falando do “arquétipo em si”.

Jung apresentou três aspectos importantes para pensarmos o “arquétipo em si” são eles: 1 – o arquétipo é psicóide. 2 – o arquétipo não chega a consciência. 3 – o arquétipo se torna consciente ao ser representado.

 Primeiro, devemos esclarecer o termo psicóide. Sobre esse termo, Jung afirma

Se uso o termo “psicóide”, faço-o com três ressalvas: a primeira é que emprego esta palavra como adjetivo e não como substantivo; a segunda é que ela não denota uma qualidade anímica ou psíquica em sentido próprio, mas uma qualidade quase psíquica, como a dos processos reflexos; e a terceira é que esse termo tem por função distinguir uma determinada categoria de fatos dos meros fenômenos vitais, por uma parte, e dos processos psíquicos em sentido próprio, por outra. Esta última distinção nos obriga também a definir com mais precisão a natureza e a extensão do psíquico, e de modo todo particular do psíquico inconsciente.(Jung, 2000, 116)

O psicóide se refere a um nível de realidade que não é nem propriamente físico (ou fisiológico) nem propriamente psíquico. Para melhor explicar essa realidade, Jung utilizou a imagem do fóton da física para auxiliar a compreensão desta, pois o fóton teria como propriedade se manifestar ora como partícula, ora como onda. Do mesmo modo, o arquétipo ou a realidade do inconsciente coletivo se manifesta “como algo que ora se dá como psíquico, ora como físico”( DAMIÃO, 2005, p.25). Ao evocar a teoria quântica, Jung ampliou o horizonte epistemológico da psicologia analítica compreendendo a realidade como complexa, não definida por dicotomias.

Como a psique e a matéria estão encerradas em um só e mesmo mundo, e, além disso, se acham permanentemente em contato entre si, e em última análise, se assentam em fatores transcendentes e irrepresentáveis, há não só a possibilidade mas até mesmo uma certa probabilidade de que a matéria e a psique sejam dois aspectos diferentes de uma só e mesma coisa (…) Nossos conhecimentos atuais, porém, não nos permitem senão comparar a relação entre o mundo psíquico e o mundo material a dois cones cujos vértices se tocam e não se tocam em um ponto sem extensão, verdadeiro ponto-zero. (JUNG, 2000, p. 152)

O arquétipo psicóide se coloca justamente na interseção entre a matéria e o psíquico, por isso mesmo está num ponto fundamental da experiência psíquica. Toda a possibilidade humana herdada filogeneticamente, inscrita em nosso corpo/DNA, se transforma em realidade psíquica por meio dos arquétipos. Nossa cultura, nossa percepção, nossas emoções possuem um pressuposto arquetípico fundante.  Uma vez que nossa realidade é sempre uma realidade psíquica, ou seja, não conhecemos nada que não seja a partir e por meio de nossa psique (“a psique é o eixo do mundo”[1]!), poderíamos dizer que o fundamento de nossa apreensão da realidade é arquetípico.

Como vimos, Jung considerava o arquétipo incapaz de atingir a consciência. Para compreender essa “incapacidade”, seria precisa retomar o aspecto mais fundamental da teoria dos arquétipos, ou seja, sua origem ao longo da evolução filogenética. Quando Jung aponta a hipótese de um inconsciente coletivo ele pressupõe

Assim como o corpo humano representa todo um museu de órgãos com uma longa história evolutiva, devemos esperar que o espírito também esteja assim organizado, em vez de ser um produto sem história. Por “história” não entendo aqui o fato de nosso espírito se construir por meio de tradições inconscientes (por meio da linguagem etc.), mas entendo antes sua evolução biológica, pré-histórica e inconsciente no homem arcaico, cuja psique ainda era semelhante à dos animais. Esta psique primitiva constitui o fundamento de nosso espírito, assim como nossa estrutura corporal se baseia na anatomia geral dos animais mamíferos. (JUNG, 2000a, p. 229-230)

A perspectiva da evolução filogenética aponta para compreensão de que os arquétipos (assim como os instintos) se constituíram ao longo dos milhares de anos no processo evolutivo. Isso se dá a partir da repetição de situações típicas, comuns ou vitais todos os seres humanos, que imprimiram na psique formas basais de assimilação e reação a realidade de forma que possibilitasse a sobrevivência.

Com o desenvolvimento da capacidade de simbolizar (processo intimamente associado à produção de instrumentos e linguagem), deu-se  início ao lento processo de desenvolvimento da consciência e da cultura. Através dos símbolos abriu-se um espaço entre a percepção da realidade e ação instintiva, isto é, este espaço que se abre é o espaço da representação e da imaginação. Esse processo promove a ampliação da consciência, que antes era apenas um estado de vigília, e se torna um estado consciente de representação da realidade. Assim, este se estabelece enquanto a base para a possibilidade de escolha, ou seja, o uso consciente da vontade, que é determinante para o desenvolvimento da cultura. Não podemos perder de vista, que o mundo dos arquétipos passa a ser vivenciados através da cultura e especialmente dos mitos que, em todos os tempos, ofereceram aos homens modelos exemplares que possibilitavam a vivência humana. A base dos mitos, são as dinâmicas arquetípicas vivenciadas como realidade exterior, por meio participação mística.

Até então falamos sobre o aspecto evolutivo e biológico dos arquétipos, pois, esse é o horizonte conceitual que distingue a psicologia analítica de Jung de considerações metafísicas.

Representações e Humanização

Jung afirmou que os arquétipos tornam-se presentes quando são representados ou se manifestam em imagens arquetípicas. O principal aspecto das representações arquetípicas que devemos considerar é o fato delas serem análogas aos arquétipos. Apesar de possuírem a mesma essência (visto que derivam os arquétipos), essas representações (por serem simbólicas), no geral, não comprometem a dinâmica da consciência. Se pensarmos pela perspectiva evolutiva, podemos compreender que para garantir as possibilidades do ego e das funções psíquicas superiores, o impulso arquetípico natural (“tudo ou nada”) se transformou em simbólico, ou seja, uma realidade que integra tanto o dinamismo inconsciente quanto as possibilidades conscientes. Desta forma, como símbolo, as representações arquetípicas se tornam compatíveis com a dinâmica da consciência.

Segundo Jung

Há tantos arquétipos quantas situações típicas na vida. Intermináveis repetições imprimiram essas experiências na constituição psíquica, não sob a forma de imagens preenchidas de um conteúdo, mas precipuamente apenas formas sem conteúdo, representando a mera possibilidade de um determinado tipo de percepção e ação. Quando algo ocorre na vida que corresponde a um arquétipo, este é ativado e surge uma compulsão que se impõe a modo de uma reação instintiva contra toda a razão e vontade (Jung 2000, p. 58)

O arquétipo em si representa o potencial a uma dada configuração. Contudo, quando ativado – e só sabemos sobre os arquétipos devido suas manifestações tanto coletivas (míticas e culturais) quanto  pessoais – ele assume uma forma de comportamento específica que se impõe ao dinamismo do ego de forma compulsiva.  No entanto, quando humanizado o dinamismo arquetípico se torna disponível à esfera psíquica consciente. humanizar o arquétipo significa trazê-lo a experiência humana, tornando-o parte dos dinamismos básicos a nosso processo de desenvolvimento individual e coletivo.

Para compreender o processo de humanização dos arquétipos é importante pensa-lo desde o desenvolvimento individual. Para tanto as concepções de Fordham mostram-se muito uteis neste propósito. Fordham construiu uma teoria do desenvolvimento que compreende que os processos arquetípicos estariam ativos desde a mais tenra infância.  Segundo autor “na infância as formas arquetípicas são derivadas do Self através de sua deintegração [2]”(FORHAM, 1985, 45). Para Fordham, a criança já nascia com uma unidade prestes a surgir[3], o self se dividiria espontaneamente em partes, ativando o potencial arquetípico correspondente a situação, a esse processo ele denominou de deintegração.

Em outras palavras frente a uma dado estímulo – seja ele interno como fome, ou externo como o toque – são ativados aspectos do self específicos à situação. Esses deintegrados se manifestam como um sistema de prontidão aos estímulos. Uma vez ativados esses deintegrados são atualizados pela experiência consciente e serão reintegrados novamente (em processos elaborativos, como no sono), e ao longo do processo rítmico de deintegração e reintegração, darão, em primeira instância, origem aos núcleos que formariam o núcleo do ego.

O processo de deintegração-reintegração não se limita ao processo de desenvolvimento do ego, mas, ao processamento continuo de constelação (deintegração) e atualização(reintegração) das representações arquetípicas. Segundo Fordham

Os deintegrados desenvolvem formas simbólicas e outras, em razão de sua interação com o ambiente que fornece imagens perceptivas. Estas imagens se organizam e algumas delas são usados na adaptação do organismo para o mundo externo, (atividades do ego) outras para formar imagens simbólicas internas (as formas arquetípicas) (FORDHAM, 1985, p.31 – tradução nossa) .[4]

A dinâmica de deintegração-reintegração está relacionada ao processo de humanização dos arquétipos (aqui compreendidos como deintegrados). Podemos citar a dinâmica arquetípica da Grande Mãe, onde os dinamismos básicos de nutrição (fome-alimentação-saciação) são humanizados na relação com a mãe. Do mesmo modo, a experiência de proteção/segurança que são humanizados no toque, cuidado, atenção, “holding” que possibilitam o estabelecimento de uma relação saudável com a realidade exterior, são reintegrados no registro ontológico do sujeito, dando origem ao núcleo do complexo materno.

O processo de deintegração-reintegração pressupõe a relação entre o estimulo externo e o potencial arquetípico. Pois, a representação arquetípica

(…) implica não apenas uma disposição intrapsíquica, mas também um fator proveniente do mundo. Quando dizemos que um arquétipo é “ligado” por evocação, queremos dizer que a aptidão arquetípica da psique precisa ser liberada por um fator correspondente proveniente do mundo.(NEUMANN,1992, p.68)

Na infância, o processo de humanização dos arquétipos humanos, (grande mãe, pai, anima e animus, velho sábio) precisam de pessoas humanas para serem humanizados. Assim, a relação entre a criança/indíviduo com o meio determinará a forma dessa humanização – por exemplo, o herói pode ser humanizado através de um esportista ou de um bombeiro militar, em outros casos através do traficante. O padrão basal é permanece, mas, o conteúdo é dado pelo ambiente ou das relações que indivíduo estabelecem.

O que precisamos ter clareza, é que a humanização dos arquétipos na infância é a base do desenvolvimento psíquico, especialmente em relação a formação dos complexos. Contudo, ao longo da vida as novas necessidades e situações que se apresentam ao indivíduo, podem gerar novos processos de deintegração. Isso significa dizer que a nossa história pessoal ou nosso passado pode deixar marcas profundas em nossas vidas, mas, não as define. Através da deintegração, a psique em sua dinâmica autorreguladora possibilita o processo de reparação de possíveis lapsos no desenvolvimento. Aqui a humanização dos arquétipos pode se dar tanto pela mediação da psicoterapia, de outros profissionais em relação de cuidado, pela religião e por grupos de amigos e apoio.

Referências Bibliográficas

DAMIÃO M. Jr. Experiência do Símbolo no Pensamento de C.G.Jung, Rio de Janeiro: Editora Aion, 2005.

FORDHAM, M. New developments in Analytical Psychology. Routledge and Kegan Paul Ldt, Bristol, 1957.

FORDHAM, M. Explorations into the Self. Socity of Analytical psychology(Library of Analytical Psychology v.7).London: 1895

JUNG, C.G. Natureza da Psique, Petrópolis:Vozes, 2000.

JUNG, C.G. Vida Simbólica Vol. I, Vozes, 2ª Ed., Petrópolis, RJ, 2000a.

Neumann, E. A Criança. São Paulo: Cultrix. 1992

[1]Jung, 2000, p. 154

[2] In the infancy the archeypal forms are derived form the self through itis the integration. (Fordham, 1957, p. 117)

[3] Term is used for the spontaneous division of the self into parts-a manifest  necessity if consciousness is ever to arise.

3 The deintegrates develop symbolic and other forms by reason of their interaction with the environment which provides perceptual images. These images make a pool and some of them are used in the organism ’s adaptation to the external world, (ego activities) Others to form inner symbolic images (the archetypal forms).

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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