A Transferência na Psicologia Junguiana – Parte 1/2

Nota: Como temos edições das Obras Completas de Jung que não coincidem na paginação, vou utilizar como referência os parágrafos.

A relação de transferência e contratransferência (T/CT) é de vital importância para a prática da clínica. Apesar disso, na literatura junguiana não vemos tanto enfoque que esse tema mereceria, isso se deve a posição ambivalente que Jung tinha em relação a T/CT. Nesse texto eu gostaria de abordar tanto a visão do Jung acerca da transferência quanto as contribuições de Michael Fordham. Na segunda parte, vamos discutir um pouco sobre a contratransferência e na terceira sobre o campo transferencial .

Jung e a Transferência

As afirmações de Jung acerca da transferência mudaram de acordo com a evolução da teoria, as concepções iam do aspecto fundamental da transferência até considerá-la um estorvo. Nessa evolução eu vou destacar três momentos:

1916 – No texto “A função transcendente” Jung apresenta uma noção extremamente importante, onde aponta na transferência um aspecto prospectivo e sintético da transferência indicando a relação com o desenvolvimento psíquico.

“Por isto, na prática é o médico adequadamente treinado que faz de função transcendente para o paciente, isto é, ajuda o paciente a unir a consciência e o inconsciente e, assim, chegar a uma nova atitude. Nesta função do médico está uma das muitas significações importantes da transferência: por meio dela o paciente se agarra à pessoa que parece lhe prometer uma renovação da atitude; com a transferência, ele procura esta mudança que lhe é vital, embora não tome consciência disto.” (Jung, 2000, pr. 145)

1935 – Nas conferências de Tavistock, chamadas de “Fundamentos da Psicologia analítica” Jung emitiu uma das opiniões mais contundentes contrarias a transferência.

“transferência é sempre um estorvo, jamais uma vantagem. Cura-se apesar da transferência e não por causa dela” (…) Não há necessidade de transferência, como também não a há de projeção. Logicamente ela aparece independentemente disso. As pessoas sempre têm projeções, mas nunca a espécie que é esperada. Já leram Freud sobre esse aspecto, ou já estiveram com outros analistas. E foi-lhes enfiado na cabeça que deverão ter transferência, ou jamais serão curadas. É a maior das asneiras dizer uma coisa dessas. A cura não depende nem da ausência, nem da existência dela. (…) Se ela não existir, tanto melhor; o material surgirá da mesma forma.” Jung, 2000a, pr.349;351)

Alguns autores compreendem esta afirmação contextualizando com o momento das conferências, onde Jung teria um direcionamento e a plateia queria ouvir sobre a transferência, que o desagradou. De qualquer modo, este posicionamento gerou uma percepção negativa acerca da transferência, especialmente por que as conferências de Tavistock são consideradas textos introdutórios mais relevantes à psicologia analítica.

1945 – Já na obra “Psicologia da Transferência”, Jung abordou o tema de uma forma ampla discutindo os fundamentos arquetípicos da transferência a partir da gravuras do rosarium philosophorum. Nesse trabalho Jung afirma

“Apesar de eu ter, inicialmente, atribuído uma importância suprema a transferência, como FREUD, tive de reconhecer,  à medida que minhas  experiências se multiplicavam, que até esta importância é relativa. A transferência pode ser comparada  àqueles medicamentos que para uns são remédio e, para outros puro veneno. A sua ocorrência significa em certos casos uma mudança para melhor, em outros, um entrave, um peso, ou coisa pior, e num terceiro caso, finalmente, pode ser relativamente irrelevante. Entretanto, é quase sempre um fenômeno crítico, que brilha nas mais diversas cores, e a sua ocorrência é tão significativa quanto sua não ocorrência.” (Jung, 1999 prologo – p. 35)

Nesse aspecto a visão do Jung se torna bem mais moderada, reconhecendo perspectivas distintas em relação à transferência. Essa “importância relativa” dada a transferência reverberou influenciando a forma de pensar clássica da psicologia analítica – também chamada de Escola de Zurique. Roberto Gambini, analista formado em Zurique, em seu livro “A voz e o Tempo” comenta acerca da transferência dizendo

A transferência é o desafio supremo da análise. Não existe receita. Às vezes ela é uma carga  pesadíssima, ás vezes não pesa nada, em alguns casos atrapalha, em outros ajuda. Seja como for, em toda terapia o analista está carregando para o paciente algum aspecto que este não consegue integrar e que talvez ainda nem esteja manifesto. Então é inevitável que um faça algo pelo outro, represente algo para o outro. Não se trata evidentemente de dar conselhos ou resolver problemas práticos do paciente, tarefa esta mais adequada a uma terapia ocupacional. Na esfera psíquica, alguém precisa cuidar do que ainda não nasceu e essa tarefa é do analista. Depois que veio à luz, começa-se cuidadosamente entregar o bebê para a mãe. O trabalho mais importante é na realidade aquele feito com o feto, quando só o terapeuta tem condições de enxergar e valorizar aquilo que ainda não tem cara nem nome. Portanto, aceito sentimento como dependência, gratidão, amor, cobrança, raiva, desejo de exclusividade e de atenção especial, por considerá-los como inevitáveis nessa fase de gestação. O grande teste para um analista é a hora que ele constata que consegue suportar o peso e a responsabilidade da transferência. Às vezes uma questão transferencial, como vimos, é apontada por um sonho – então aborda-se diretamente o assunto. Caso contrario, o estilo junguiano, pelo menos segundo a Escola de Zurique, é ir vivendo o processo sem falar exaustivamente dele. Deixa-se acontecer, observa-se. Se o paciente for terapeuta, este igualmente pode se abrir com toda coragem e sinceridade. Não esmiuçamos a transferência, ficamos com a ferida doce. ( GAMBINI, 2008 ,p.110-111)

Apesar do valor “relativo” que Jung atribuía à transferência, ele fez contribuições importantes para a compreensão da transferência. Warren Steinberg, comenta essas contribuições no livro “Aspectos Clínicos da Terapia Junguiana” destacando cinco aspectos:

– Objetivo da transferência: Para Jung a transferência teria um objetivo relacionado com ao processo de individuação. Por meio da transferência, os complexos, as dinâmicas (de apego e objetais) viriam à cena possibilitando a transformação do ego. A elaboração da transferência conduziria ao amadurecimento, a uma nova possibilidade de relação com o inconsciente. Assim, o conteúdo objetivo, infantil e histórico do complexo vivido na transferência se abre para a concepção subjetiva, atual e prospectiva que concerne à individuação.

– Compensação: Steinberg aponta que “a transferência, assim como neurose, é uma tentativa de autocurar-se, o sistema psíquico lutando por equilíbrio” (STEINBERG, 1992, p.13). A transferência pode compensar uma atitude unilateral do ego, resistências e defesas que se encontram fixadas ao longo da história do individuo – possibilitando uma perspectiva e espaço para a integração dos conteúdos que foram excluídos e negados pela dinâmica do ego.

Empatia: O paciente internaliza a figura do analista, muitas vezes, com as pontuações e características – as vezes, reproduzindo trejeitos, expressões e vícios de linguagem – essa identidade visaria o desenvolvimento de uma atitude própria, uma atitude analítica correlata a observada no analista. De outro modo, essa internalização expressaria a ativação do “analista interior” (presente na dinâmica do curador-ferido).

Relacionamento: O relacionamento analítico seria um relacionamento pessoal num enquadre impessoal, protegido e capacitador. Isso porque o individuo neurótico tem dificuldade de estabelecer relacionamentos saudáveis. Na medida que o analista sustente a relação, maneje a transferência, o paciente poderia sair do padrão criado pelos relacionamentos familiares/infantis.

Transferência arquetípica: Jung notou que em alguns casos a retiradas projeções e a elaboração da transferência infantil não liberava energia para a consciência/ego para adaptações exteriores, antes essa energia regredia ao inconsciente ativando formas arquetípicas, que eram transferidas para o analista. Jung compreendeu que esse processo envolvia uma adaptação mais profunda isto é, o processo de individuação.

As contribuições de Jung se tornaram diluídas na compreensão da relação terapêutica, na presença do analista, não focando no conteúdo ou na compreensão da transferência em si ou valorizando a interpretação.

Fordham e a Transferência

Michael Fordham foi sem a menor dúvida um dos maiores pensadores junguianos, poucos se igualam em profundidade, amplitude e criatividade. A transferência/contratransferência – no cerne da técnica junguiana – ocupou um lugar especial na construção teórica de Fordham.

Em seu trabalho seminal “Notes on the transference” de 1957, Fordham indica o distanciamento da obra de Jung da temática da transferência (especialmente por este enfatizar a personalidade do terapeuta/analista), neste trabalho ele inicia uma sistematização acerca da transferência que vai reverberar e fundamentar muitas concepções e técnicas da psicologia analítica.

Fordham compreendia que transferência, e consequentemente sua análise, seria importante para transformação da personalidade pois a energia que era destinada a neurose gradativamente seria destinada ao analista por meio da transferência – o que possibilitaria a transformação e saída da neurose. Fordham apontou a necessidade de discriminarmos três tipos de transferência: Dependente; delirante e a arquetípica.

A transferência Dependente ou neurótica se caracteriza pela repetição de padrões infantis ou de padrões neuróticos. Nesta modalidade o conteúdo histórico dos complexos (em especial os parentais) são projetados sobre o analista de modo serem revividos e integrados. Nesses casos a “análise/interpretação redutiva” se torna essencial para integrar os complexos, dinâmicas arquetípicas essenciais para a autonomia e amadurecimento do individuo.

A transferência delirante ou psicótica há o rompimento da realidade com o analista, onde o mesmo é envolvido no delírio do paciente, a indistinção da realidade do analista impede que a realidade externa ou as intervenções/interpretações tenham espaço. A transferência delirante pode se manifestar em interpretações/julgamentos que o paciente atribui ao analista assim como pela intensidade afetiva direcionada ao analista – esta mobilizada por elementos pré-simbólicos ou psicóides ainda incessíveis ou não elaboráveis ao ego.

A transferência arquetípica é noção bem peculiar na abordagem junguiana. Como dito acima, em alguns casos após elaborada a transferência infantil a energia ativa camadas mais profundas. A transferência arquetípica possui um energia diferenciada, imagens grandiosas, que não se referem a experiência pessoal,

“a transferência arquetípica tem duas características que a pessoal não possui: as projeções são mais claramente partes do Self que precisam ser integradas. eles também são progressivos e contêm material através do qual a individuação pode ocorrer. O reconhecimento dessas características é concebido como importante porque a interpretação analítica não pode ser aplicada: as entidades primárias foram alcançadas.” FORDHAM,1986, p. 84.

Nessa perspectiva, a transferência arquetípica possibilita que deintegrados sejam vivenciados e reintegrados possibilitando o processo de individuação.

Jung compreendeu que transferência não seria um processo unilateral, sua manifestação também produziria uma reação do analista – a contratransferência. Essa relação T/CT entre analista e paciente estariam para além do campo consciente, numa relação que envolve a consciência e o inconsciente. A partir das imagens do Rosarium philosoforum ele apresentou um modelo próprio para compreender o a dinâmica da transferência.

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No próximo post, apresentaremos a contratransferência onde poderemos discutir de fato o campo transferencial.

Referências bibliográficas:

Fordham, M. New Developments in Analytical Psychology, London: Routledge and Kegan Paul, 1957.

Fordham, M, Jungian Psychotherapy, Maresfield: London, 1986.

GAMBINI, R. A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

JUNG, C.G. Vida Simbólica Vol. I, Petrópolis: Vozes, 2000.

JUNG, C.G. Natureza da Psique, Vozes:Petrópolis, 2000a.

JUNG, C.G.Ab-reação, análise de sonhos, transferência, Vozes: Petrópolis, 4 ed. 1999b

STEINBERG,W. Aspectos Clínicos da Terapia Junguiana, São Paulo: Cultrix, 1992.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Pós-graduando em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Perspectivas Junguianas acerca do Ego – Parte 3/3 (Psicopatologia)

Nessas três postagens “Perspectivas Junguianas acerca do Ego” procurei comentar sobre a formação do ego, sobre características do Ego como funções e defesas. Para nesta terceira e última, gostaria de comentar alguns aspectos sobre psicopatologia relacionada ao Ego. Nesse sentido é importante considerar que meu olhar está intimamente associado com a concepção desenvolvimentista da psicologia junguiana.

Creio ser um pouco irônico pensar nessa proposta falar de “psicopatologia” e “ego” visto q são duas temáticas amplamente ignoradas no cenário junguiano. Um raros trabalhos que comentam conciliam estas temáticas o “Jung e os Pós-Junguianos”(1989) de Andrew Samuels, que, sendo uma obra crítica, discussão geral sobre o ego nas diferentes perspectivas junguianas. Samuels, traz uma visão da psicopatologia associada ao ego na escola clássica, ele diz

Devemos agora voltar a nossa atenção às afirmações de Jung a respeito da patologia da ego-consciência.

A primeira possibilidade é de que o ego não emerja satisfatoriamente de sua unidade e identidade originais com o self; haverá portanto pouca discriminação ou pouca ego-consciência, e a personalidade será governada pelos complexos autônomos em competição.

A segunda possibilidade é de que o individuo permita a seu self, ou sua personalidade total, se tornar limitado pela identificação com o ego – que com isso se torna inflacionado. O individuo se comportará como se não houvesse nada além do ego e do ego-consciência dentro de si. O inconsciente e os complexos protestarão por serem negados dessa forma, e se desenvolverá uma tensão entre o ego e o self muito maior que o grau saudável, e com consequências destrutivas.

A terceira possibilidade é a de que o ego possa se identificar com uma atitude externa extrema, abandonando a posição mediadora e rompendo com o restante do aspecto de possibilidades. Para fazê-lo, o ego irá “selecionar” a partir de dados emocionais, de modo que elementos que não se adaptem ao padrão consciente sejam negados ou eliminados.

A quarta possibilidade é que o complexo do ego seja incapaz de se relacionar, de modo fértil e imaginativo, com os outros complexos de maneira que possam ocorrer a personalização e a diferenciação dos complexos que Jung julga vital para o crescimento. O individuo não consegue deixar que surjam imagens da fantasia ou não consegue se relacionar com elas caso surjam.

A quinta possibilidade é a que o ego venha a ser subjugado e arrebatado por um conteúdo interno.

A sétima, e ultima , a possibilidade da psicopatologia do ego tem a ver com a função inferior (…). A função inferior pode estar pouco integrada e disponível que as intenções da consciência ficam totalmente sem sentido.

(SAMUELS, 1989, p. 86)

A descrição da visão clássica de Samuels é extremamente útil, poderia dizer que possibilidades que essas possibilidades compreendem ego em relação a Self, em relação/mediação aos conteúdos internos (complexos) e externos (papéis e funções coletivas), capacidade de elaborar os símbolos e estar em relação com o inconsciente. Essa visão abarca a grande maioria dos quadros que vemos no dia a dia, contudo, meu sentimento é que o ego é visto de modo passivo, como se esses quadros e outros não dependessem diretamente dele. Gostaria de ampliar um pouco essa lista do Samuels, acrescentando outros aspectos tomando o ego como centro do debate.

(a) Desordem no Self – a dificuldade na formação do Ego

No post Perspectivas Junguianas acerca do Ego – Parte 1 apontamos uma concepção desenvolvimentista acerca da evolução do ego. Na escola clássica, há uma suposição de um ego preformado, que deveria se diferenciar do Self. Como vimos, para Fordham, o ego se desenvolve a partir das experiências do Self com o ambiente – o que envolve relações objetais e de apego. Nesse sentido, a primeira situação não envolveria o ego em si, mas um transtorno no desenvolvimento. Essa discussão acerca do desenvolvimento do Ego ganha contornos a partir da prática clinica com pacientes do Transtorno do espectro autista, segundo Fordham,

o núcleo essencial do autismo representa uma forma distorcida a integração primária da infância, e que autismo idiopático é um estado desordenado de integração, devido ao seu persistência até o fracasso do Self em deintegrar (Fordham, 1976, p.88 – Tradução nossa)(1)

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Assim, o Self primário continuaria integrado de modo que os deintegrados – base para a atualização e desenvolvimento da representações do Self – que dão origem aos núcleos do ego ou não se deintegram (permanecem integrado) ou não são reintegrados adequadamente como experiências pessoais. Desse modo, aspectos arquetípicos do desenvolvimento, como a possibilidade de relações de apego e com os objetos, poderiam ficar comprometidas em graus variados.

(b) Ego Rígido: dificuldades em elaborar símbolos

Os símbolos constituem um aspecto vital da vida psíquica. Jung apontou que os mesmos possibilitariam a circulação da energia entre a consciência e o inconsciente assim como nutrir o ego, possibilitando estabilidade da consciência. Antes de comentar diretamente sobre a psicopatologia associada a capacidade de elaborar os símbolos, precisamos fazer uma digressão para pensar a relação do ego com os símbolos.

A capacidade do ego em elaborar símbolos ou de lidar simbolicamente com a realidade depende qualidade das relações que o individuo teve em seu processo formativo, isto é, da segurança e estabilidade das relações que ego pode estabelecer com a realidade interior e exterior. Os símbolos integram diferentes campos da experiência(psiquico-fisico; consciente-inconscinte; interno-externo), por serem o fruto da atividade integradora que Jung nomeou de “função transcendente”. Deste modo, não são criados pelo ego, inclusive compreende-se que os primeiros símbolos são anteriores a fase de formação plena do ego, se desenvolvendo junto com a capacidade de percepção e relação com os objetos.

É importante considerar que os símbolos são as primeiras representações que configuram o psiquismo integrando os conteúdos interiores/inconscientes com conteúdos exteriores, dando forma a realidade propriamente psíquica a experiência individual e consciente. Os primeiros símbolos compreendidos como símbolos do Self, que podem ser estendidos a objetos específicos, possibilitando, trazendo segurança e sustentação aos processos integrativos do Self – especialmente do próprio Ego. Para Fordham os “objetos transacionais” descritos por Winnicott eram os símbolos do Self.

Ao longo de toda a vida o processo de formação, elaboração dos símbolos se desenvolve num espaço seguro. Incialmente esse espaço é físico, é o ambiente – normalmente personificado pela mãe ou figura materna – gradativamente o espaço segura torna-se psíquico, simbólico ou potencial – como Winnicott nomeou. Na infância, o espaço potencial/simbólico se torna perceptível pela capacidade imaginativa e de autenticidade da criança expressas no brincar. Na vida adulta, se manifestará nas formas de lidar com a arte, religião e os diversos campos da cultura – que possibilitam a integração dos conteúdos internos que conduzem ao processo de individuação.

Nesse aspecto, devemos considerar como pontos fundamentais os processos defensivos tanto do Self (descritos por Kalsched no seu livro “O mundo interior do trauma”) e do ego.

As defesas do Self se manifestam presentes em situações onde há um colapso dos processos defensivos do ego – onde é incapaz de “metabolizar” a situação dor/sofrimento (que pode ser por violências; ausência de afeto/segurança ou ambivalência) ou onde a ameaça continuidade da vida se torna iminente. Quando ocorre na infância, a experiência traumática pode ocasionar a interrupção da atividade imaginativa, rompendo com os vínculos (internos e externos) no trauma precoce, quando ocorre na vida adulta no geral, temos quadros de transtorno de estresse pós-traumático. As defesas do Self protegeriam o individuo de uma cisão psicótica, contudo, às custas criatividade, autenticidade e possibilidade imaginativa.

As defesas do Ego visam a manutenção e a continuidade das funções do ego (como comentado no post anterior). Diferente das defesas do self, as defesas do ego amadurecem, se diversificam de modo a termos várias possibilidades como são descritas na psicanálise.

Essa digressão foi necessária para poder pensar quadros graves que estão intimamente relacionados com o desenvolvimento do ego. Podemos pensar duas possibilidades: a primeira a experiência vivida na infância(ou seja como é apreendida pelo individuo) é de tal modo sofrida/aversiva com predominância de objetos negativos, sensação de desamparo/medo/insegurança que a relação com a realidade interior e exterior se tornam insuportáveis fazendo que as defesas atuem de forma rígida impedindo a exploração da realidade, elaboração simbólica e amadurecimento do ego. Nessa situação, o ego se mantém imaturo, reativo, ansioso, muitas vezes dissociado das experiências internas e externas, impedido de estabelecimento vínculos.

A outra possibilidade, de modo similar primeira, ocorre quando o ego se desenvolve com a predominância de objetos negativos/de insatisfação/desprazer, fazendo que essas experiências sejam incorporadas a identidade do ego – em outras palavras o ego se identifica com aquilo que gera dor/insatisfação, com o que deveria ser evitado, de modo a coesão do ego se torna instável, muitas vezes o próprio ego se torna objeto das defesas, comprometendo o autoconceito, a autoimagem e muitas vezes gerando os mais diversos ataques ao corpo.

Nessas duas situações podemos entrever os quadros de transtornos de personalidade e neuroses graves. Em ambos os casos há um predomínio de atividade defensiva que prejudicando tanto a formação quanto elaboração simbólica. Isso porque a função dos símbolos é integrar, unir – as defesas visam evitar que as experiência de sofrimento sejam revividas ou relembradas atacando o processo de formação simbólica. Por isso, muitas vezes pacientes com esses quadros são muito concretos, objetivos, muitas vezes é percebia a atuação e a passagem ao ato na analise.

É importante considerar que a labilidade emocional está relacionada com os afetos que não possuem contorno simbólico, não se apresentam à consciência de forma que o ego possa reconhecelos e integra-los. Muitas vezes, emergem em seu aspecto arquetípico/psicóide/pré-psíquico que não se traduz em pensamento ou imagem, apenas como sensações – geralmente de angustia e desespero.

No trabalho com esses pacientes, com frequência é necessário simbolizar junto com o paciente. Schwartz-Salant no livro “A personalidade limítrofe”, cabe ao analista de “posse” da comunicação produzida na contratransferência transformar esses elementos psicóides, pré-simbólicos do paciente com sua “visão imaginal” em símbolos com os quais o paciente pode lidar, dando contorno, continência a esses conteúdos muitas vezes invisíveis da psique do paciente – o terapeuta seria, temporariamente, a função transcendente para o paciente. Naturalmente, técnicas expressivas e sandplay também são de grande valia na transformação de elementos pré-simbólicos em símbolos.

(c) O Ego Defensivo

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A relação saudável do ego com os conteúdos internos e externos tem como ponto central a diferenciação, ou seja, é fundamental que o ego tenha força e coesão para se perceber sujeito, distinguindo o que é seu e o que não é. A dificuldade de diferenciação entre o mundo interno e externo abrange a quase todos os casos que encontramos, visto que esta diferenciação é o ponto chave para o processo de individuação. De certo modo, ao longo da vida estamos quase sempre identificados quer com uma função social, quer com um padrão de um complexo. A manutenção desse estado de identificação está relacionada tanto ao ambiente muitas vezes limitador quanto a falta de recursos do ego para assumir novos desafios e mudanças.
Nessa perspectiva notamos a presença das defesas que visam prover segurança e estabilidade ao ego, distorcendo a compreensão da realidade. Assim, os padrões evitativos de relacionamento, a identificação com padrões dos complexos ou mesmo com os padrões da coletividade servem como estratégias defensivas, mantendo o ego imaturo, sem repertório, restrito numa ilusão de segurança – mesmo que às custas de muito sofrimento.

Ao longo da vida o ego amadurece continuamente, não há uma meta “específica”, apenas um caminho. A dificuldade de viver as transformações, o risco de mudança, ativam as defesas que muitas vezes paralisam o ego impendindo-0 de viver o processo de individuação. Grande parte das psicopatologias associadas a esse quadro defensivo estagnam a vida, tirando fluidez, deixando uma “vazio seguro”.

A análise das defesas, projeções, fantasias do paciente são muito úteis para compreender essa dinâmica defensiva do ego – pois, muitas vezes, a produção onírica, o trabalho com os símbolos são bem limitados.

Para Concluir…

Esses três textos são provocações para pensarmos mais acerca do ego. Muitas vezes comento que o ego é “figurante de luxo” está sempre presente nos textos, mas com pouca atuação.

Notas:

(1) the essential core of autism represents in distorted form the primary integrate of infancy, and that idiopathic autism is a disordered state of integration, owing its persistence to failure of the self to deintigrate.

Referências bibliográficas

FORDHAM, MICHAEL, The Self and Autism, London: Heinemann Medical [for] the Society of Analytical Psychology, 1976.
SAMUELS,Andrew. Jung e os Pós-junguianos, Rio de Janeiro: Imago, 1989.

SCHWARTZ-SALANT, N. A personalidade limítrofe: visão e cura.São Paulo: Cultrix: 1992.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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Indicação de leitura: Mangás, Animes e a Psicologia

O universo dos mangás e animes frequenta nossos consultórios há muito tempo. Ora frequenta o lugar de paciente, ora de analista. Muitos psicoterapeutas a analistas atuais cresceram assistindo animes. Em todo caso, cada vez mais pacientes – adolescentes e adultos – trazem como referência imagética os animes a mangás. Por isso são tão interessantes os três volumes da obra Mangás, Animes e a Psicologia organizados por Ivelise Fortim e Christiana Rohrs Lembo (volumes 2 e 3).

Os volumes possibilitam diferentes experiências ao leitor: análise das narrativas; amplificações clínicas, discussão sobre gênero e sexualidade; jornada do herói, etc.

Esses livros apresentam uma ampla variedade de cenários, conceitos e símbolos a serem explorados a partir desse universo dos animes e mangás.

Os livros estão disponíveis nas principais livrarias.

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

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Vamos retornar?

As atividades no CEPAES estão a todo vapor! Por isso foi dificil concilar preparar aulas e escrever textos e posts. Vou tentar retomar o blog – sinceramente faz falta a interação. Vi vários feedbacks, mas tem tanto tempo q fico sem jeito de responder!

Vou verificar os feeds e tentar escrever mais! Se quiser falar comigo fique a vontade pra falar nas redes sociais! Agradeço a visita! Sim, vou tentar retornar de verdade!

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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. / instagram @fabriciomoraes.psi e-mail: fabriciomoraes@cepaes.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

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Perspectivas Junguianas acerca do Ego – Parte 2/3

Para ler a primeira parte clique aqui: Perspectivas Junguianas acerca do Ego – Parte 1

Diferenciando o ego

Jung escreveu pouco sobre o ego e a sua organização. No pequeno capitulo intitulado “O Eu”, do livro “Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo”, ele nos dá uma descrição importante para pensarmos a organização do ego e dirimir dúvidas sobre a noção de complexo do eu. Segundo Jung,

Entendemos por “eu” aquele fator complexo com o qual todos os conteúdos conscientes se relacionam. E este fator que constitui como que o centro do campo da consciência, e dado que este campo inclui também a personalidade empírica, o eu é o sujeito de todos os atos conscientes da pessoa.(…)

O eu considerado como conteúdo consciente em si não é um fator simples, elementar, mas complexo; e um fator que, como tal, é impossível de descrever com exatidão. Sabemos pela experiência que ele é constituído por duas bases aparentemente diversas: uma somática e uma base psíquica. (Jung, 1986, p. 1-2)

Em primeiro lugar, devemos notar que Jung se refere ao ego como um fator complexo e não como sendo “um complexo”. Nessa citação podemos compreender que ao falarmos do “complexo do eu” não estamos identificando o ego com os demais complexos inconscientes.  Para delimitar essa diferenciação nós adotaremos expressão a complexidade do ego, na qual compreende-se três aspectos interdependentes: organização, autorreconhecimento e energia diferenciada.

Esboçamos essa complexidade quando falamos da formação do ego. A formação do ego, como vimos, tem origem nos processos deintegrativos do self, mais precisamente quando o self forma suas próprias representações (que emergem da experiência corporal com ambiente), isto é, núcleos de consciência que parcialmente expressam o self. Isso equivale dizer que o self é o núcleo arquetípico do ego. Por outro lado, por se desenvolver/emergir das relações de diferenciação entre self e não-self, isto é, das relações objetais, o ego se forma uma organização que é, por excelência, de diferenciação. Esse processo de diferenciação origina a identidade e aos afetos relacionados à identidade (por exemplo, integridade, pertença e segurança). Quando os núcleos de identidade são integrados de forma estável e coerente temos o que chamamos de um ego coeso e forte.

Desta forma, é correto afirmar que o ego é um complexo de identidade. Ou seja, o ego agrega os elementos que propiciam a diferenciação do organismo/self/ego dos demais objetos externos e internos. É exatamente essa capacidade de diferenciação que possibilita o autorreconhecimento. Esta é uma característica da maior importância, visto que ao se diferenciar dos objetos internos e externos (isto é, da realidade interior e exterior) o ego torna-se capaz de se reconhecer/perceber em suas ações e desse modo utilizar os recursos (energia disponível à consciência) e ter autonomia tanto das influências internas (o fascínio das dinâmicas arquetípicas, dos complexos) como das influências externas (as exigências da persona).

A energia que diferencia o ego dos complexos está relacionada ao que Jung nomeou de base somática do ego. Assim, enraizada nos processos somáticos, a energia que sustenta o estado de vigília está intimamente relacionada ao ego. Por esse motivo que as funções psíquicas do ego (tanto conscientes quanto inconscientes) derivam do corpo.

A funções do ego

A complexidade do ego está intimamente relacionada às funções que desempenham. Podemos citar:

– Identidade

Como complexo de identidade, o ego agrega os valores que o qualificam. Assim, esta função se refere aos aspectos subjetivos, históricos, que compõem a narrativa pessoal do ego. Devemos considerar que a identidade é uma construção que tem início com as primeiras relações objetais e segue ao longo do processo vital do ego, onde alguns desses elementos se tornam constantes e outros se modificam ao longo da vida. Assim, é importante compreender que o ego sofre transformações, não sendo, portando, rígido e imutável.

As crises que geralmente acompanham as mudanças de etapas da vida se referem às transformações vividas na organização do ego. É necessário um ego coeso e estável para suportar as mudanças e transformações da vida.

– Mediação com a realidade interna e externa;

O ego é o agente dos processos adaptativos entre a realidade interior e exterior. Frequentemente as exigências interiores e exteriores são incompatíveis, cabendo ao ego avaliar e responder de forma apropriada. Para realizar essa mediação o ego tem a sua disposição recursos perceptivos e volitivos; nesses processos temos o que Jung descreveu como tipos psicológicos. Eles envolvem a atitude da energia psíquica que se caracteriza ou pelo fluxo ou pela retração da energia em relação ao objeto. Assim, diante do objeto a atitude da consciência pode ser extrovertida ou introvertida. Isso implica em possibilidades para o ego se posicionar diante da realidade exterior. As funções psíquicas racionais indicam uma avaliação ou julgamento compreensivo do objeto (o que é ou seu valor), enquanto as irracionais se voltam ao ambiente (objetivo ou as potencialidades). Por outro lado, a função inferior se relaciona com aspectos do inconsciente (sombra e anima/us) que se associa a adaptação da realidade interior.

A memória é outro fator importante nos processos adaptativos internos e externos, pois fornece referenciais para as ações – estando ainda relacionados com os complexos. Apesar da memória não depender do ego, este pode ter um papel fundamental tanto na aquisição (busca, atenção e relação com os objetos), quanto no armazenamento (técnicas, exercícios e evocação que podem ser feitos por um ato de vontade ou prejudicados pelas defesas do ego). O acesso a memória é relacionado tanto ao significado/importância quanto carga afetiva.

Assim, a mediação é o diálogo que o ego estabelece com as necessidades e exigências internas e externas ao longo do tempo.

– Orientação espaço-temporal

A orientação espaço-temporal indica a capacidade do ego em si orientar e relacionar com os objetos externos. Esse processo é muito importante por indicar a adaptação e aderência à realidade exterior, que demonstra a força e coesão do ego para sustentar a relação com o mundo exterior.

Relações corporais

O ego se relaciona com o corpo tanto no sentido da propriocepção, imagem /esquema corporal assim como no sentido de controle das funções motoras. Grande parte das relações com o corpo são inconscientes, ou seja, ocorrem a despeito do foco da atenção e reflexão consciente.

Defesas

As defesas do ego são parte fundamental para a atividade da consciência. As defesas são compreendidas como processos que visam manter a organização e a funcionalidade do ego. Elas atuam de modo inconsciente para que os processos adaptativos (mediação, respostas motoras, atenção e decisões, etc.) possam ter fluxo e continuidade.

Notemos que a atenção é um processo que depende das defesas na medida em que os estímulos filtrados possibilitam ao ego estabelecer uma continuidade na relação com um dado objeto.

Para Evers-Fahey (2017), Jung valorizava os processos sintéticos de integração, considerando as defesas como um aspecto dos processos adaptativos. Ela aponta que poderíamos compreender os processos defensivos em três aspectos:

1 – Defesas contra a percepção

“…é chamada de defesa contra a percepção porque lida com a ausência ou deficiência em observar ou conhecer a própria posição do ego consciente.  Isto pode ser devido à fraqueza do ego, dependência do ego, ou o domínio de um complexo autônomo que suplanta o complexo do ego.[1] (Evers-Fahaey, 2017 p. 161 – Tradução nossa)

A defesa contra a percepção atua na relação do ego consciente com os objetos externos. Ou seja, um objeto ou parte dele não é percebido pelo ego. Um exemplo dessa forma de defesa seria a negação onde um aspecto, qualidade ou atributo de um objeto (pessoa ou situação) que não é percebido pelo ego. Outro exemplo seria a idealização, quando a percepção valoriza excessivamente os atributos do objeto, impedindo que outros aspectos sejam percebidos.

A ausência da percepção do objeto impede que este conteúdo externo  prejudique o fluxo da consciência ou mesmo que seja veículo (por similaridade, analogia ou metáfora) de um conteúdo do inconsciente. Além da falta de percepção em relação aos objetos externos, podemos notar essa defesa contra a percepção na ausência de consciência acerca do que falamos ou fazemos. Na prática clínica é perceptível quando o paciente não percebe o que está dizendo ou mesmo quando a reação corporal contradiz o que está sendo dito.

2 – Defesas contra o sentimento/afeto

“…a defesa contra sentimento porque as emoções são essencialmente produtos do inconsciente, não conscientemente escolhidos.  Imagens do inconsciente são meramente estéticas se a reação emocional está faltando[2].” (ibid p.162 – Tradução nossa)

As defesas contra os sentimentos/afetos são uma tentativa de distanciamento radical do inconsciente. Ao evitar que o conteúdo afetivo atinja a consciência, evita-se a elaboração simbólica deste conteúdo.  A imagem ou lembrança sem o componente afetivo se torna apenas um conteúdo consciente, um fragmento dissociado do inconsciente.

Ao neutralizar o sentimento/afeto a imagem perde seu significado, passa a ser percebido como uma informação ou dado cuja importância pode ser avaliada racionalmente, mas soaria como uma informação curiosa, que não promoveria de fato uma mudança para o indivíduo. Em outros termos, o que para o terapeuta poderia ser simbólico,(e, portanto rico ), para o paciente , por força de defesa, é um sinal.

São exemplos de defesas contra os afetos a formação reativa, o deslocamento, a substituição e a projeção.

3 – Defesas contra os mecanismos de integração

“No nível do ego, há um desejo ou necessidade de preservar a coletividade e, portanto, haveria uma defesa contra a integração para preservar a persona.  Cada indivíduo tem uma noção de quanto desafio pode suportar sua identidade pessoal ou cultural ou papel na vida em qualquer momento[3].” (p.162)

Jung indicava que a “meta da individuação não é outra senão a de despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da persona, assim como do poder sugestivo das imagens primordiais” (Jung, 2001, p.61) O processo de individuação se dá através da diferenciação da relação do ego com Si-mesmo  (ou Self). Devemos compreender que as identificações com a persona ou com os complexos fornecem segurança ao ego, por estabelecerem padrões específicos de comportamento.

Como toda identificação produz uma negligência de outros aspectos da vida, a “desindentificação” produz ansiedade ao ego, pois  a exigência de flexibilidade e adaptação para situações em que o ego não possui repertório implica numa em uma situação desconhecida, o que podemos compreender como resistência aos processos de elaboração simbólica e individuação.

-Volição ou Vontade

A volição ou vontade não é restrito à consciência. Contudo, o uso consciente da vontade é uma função do ego. Assim, a vontade implica no direcionamento da energia disponível na consciência para um ato consciente de adaptação ou para refrear um impulso inconsciente ou somático.

Como não visamos esgotar o tema, acredito que essas funções do ego ilustram o fator complexo do qual Jung se referiu ao falar do ego.

Em breve postaremos a terceira e última parte deste texto.

Referências

JUNG, C.G. Aion – Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo, Petrópolis: Vozes, 1986.

 ________. O Eu e o Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 15ed. 2001

EVERS-FAHEY, Karen, Towards a Jungian Theory of the Ego, New York: Routledge, 2017.


[1] “… is called defense against perception because it delas with the absence or deficiency in observation or knowing one´s own conscious ego stance. This may be due to ego weakness, ego dependence or dominance of an autonomous complex which supplants the ego-complex.

[2]“the defense against the feeling because emotions are essentially products of the unconscious, not consciously chosen.  Imagens from the unconscious are merely aesthetics if the emotional reaction is lacking.

[3] At the ego level, there is a desire or need to preserve collectivity and therefore ther would be a defense against integration in order to preserve the persona. Every individual has a sense of how much challenge they can bear to their personal or cultural identity or role in life at any given time.

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Fabrício Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Diretor do Centro de Psicologia Analítica do CEPAES. Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  desde 2012 Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 99316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@cepaes.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

http://www.cepaes.com.br

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