Um recorte muito comum na clínica são casos de jovens mulheres com complexo materno negativo, que leva a sérias dificuldades de auto percepção, auto aceitação e autoestima ( homens também podem apresentar as mesmas características, mas dado nosso contexto social, vemos mais frequentemente em mulheres). Estes se manifestando com frequência com perfeccionismo, ansiedade, a culpa, e um censo de responsabilidade gigantesco e opressivo em relação à mãe.
As mães, no geral, são mulheres sofridas, muitas vezes vindas do interior, que criaram os filhos sem apoio familiar (da família de origem) e com dificuldades em relação à família do marido – estes últimos, no geral, ausentes, machistas etc ; e com frequência, com dupla jornada, se viam exaustas e fazendo o que lhes era possível no cuidado dos filhos.
Nessas condições, essas mães cujo sofrimento era invisibilizado, estavam despotencializadas/desvitalizadas e, assim, impossibilitadas de oferecer o investimento afetivo necessário/demandado pelo desenvolvimento dos filhos.
Mario Jacoby, do livro “Individuação e Narcisismo”, nos ajuda a entender um pouco desse processo quando diz que
O senso da autoestima deve ser conservado por ações e reconfirmado constantemente. Ao mesmo tempo, uma autoestima sadia não atribui valor ao indivíduo somente mediante consecução. O “brilho nos olhos da mãe” introjetado também gera um sentimento interior de que a existência inteira de alguém é confirmada. O outro polo, no caso excelente, contém ideais maduros. Estes envolvem questões suprapessoais maiores ou menores, as quais são muitas vezes consideradas doadoras de sentido à existência do indivíduo. (JACOBY, 2023, p.150)
Jacoby utiliza uma concepção de Kohut sobre a importância do “brilho dos olhos da mãe” como a capacidade de espelhar o Self, para que o bebê possa internalizar/integrar a experiência de si-mesmo. O “Brilho nos olhos da mãe” é um investimento narcísico importante, que vitaliza e potencializa o desenvolvimento. Quando a relação mãe-criança é prejudicada, o conjunto de sintomas pode surgir pela não humanização de aspectos fundamentais de autocuidado, autopercepção e sentido de si-mesmo, ou de estar em si-mesmo.
O sofrimento do paciente aponta para o registro histórico-afetivo que chamamos de complexo materno negativo, contudo, há outro registro tão importante quanto, que é a ferida narcísica vivenciada pelo ego como elementos de rejeição, indigno de amor e insuficiência e revivida em suas relações. Na relação transferência-contratransferência tanto os conteúdos afetivos negativos (medo, raiva, sentimento de abandono e rejeição) como conteúdos saudáveis que precisam humanizados, para uma relação saudável consigo e com o outro, podem ser elaborados. Lidar com complexo materno exige atenção, paciência e técnica, mas lidar com a ferida egóica exige o “brilho nos olhos do analista”, para ser capaz de encontrar “o que não tem forma”, o que ficou perdido e cuidar, investir nele, dar continência, forma, contorno aos aspectos ainda sem forma do Self. Gambini fala da transferência de uma forma muito bonita, ele diz:
Na esfera psíquica, alguém precisa cuidar do que ainda não nasceu e essa tarefa é do analista. Depois que veio à luz, começa-se cuidadosamente entregar o bebê para a mãe. O trabalho mais importante é na realidade aquele feito com o feto, quando só o terapeuta tem condições de enxergar e valorizar aquilo que ainda não tem cara nem nome. Portanto, aceito sentimento como dependência, gratidão, amor, cobrança, raiva, desejo de exclusividade e de atenção especial, por considerá-los como inevitáveis nessa fase de gestação. O grande teste para um analista é a hora que ele constata que consegue suportar o peso e a responsabilidade da transferência. (GAMBINI, p.111 – grifo meu)
Assim, é importante pensar que muitas vezes os componentes maternos mobilizados na contratransferência apontam a criança ferida que, escondida no inconsciente do paciente, busca o brilho nos olhos do analista para que possa vir à luz, para que a reparação do amadurecimento interrompido possa ganhar contorno, forma e direção. Esse processo exige o investimento e consciência ativa do analista, para que não seja levado a “atuar” maternalmente, tutelando o paciente e, assim, prejudicando o desenvolvimento do paciente.
referências bibliográficas
GAMBINI, R. A voz e o tempo: reflexões para jovens terapeutas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
JACOBY, Mario, Individuação e Narcisismo – A psicologia do si-mesmo em Jung e Kohut, Petrópolis: Vozes, 2023.
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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)
Psicólogo Clínico Junguiano, Supervisor Clínico, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Especialista em Acupuntura Clássica Chinesa (IBEPA/FAISP). Formação em Hipnose Ericksoniana. Coordenador de Grupos de Estudos Junguianos. Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.
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