“Quando é que eu começo a mudar?” Reflexões sobre Psicoterapia e Medo da Vida

 

(20 de junho de 2012)

Há alguns anos, quando eu ainda era recém-formado,  eu ouvi uma pergunta que me marcou, a pessoa questionou:

“Já estou fazendo terapia há algum tempo, quando é que eu começo a mudar?”

Acredito que a minha resposta na época não foi suficiente (especial-mente para mim). Assim, eu gostaria de pensar um pouco sobre essa questão. Talvez o primeiro ponto que que devemos pensar é a idéia de que “ir ao psicólogo” ou “ir a terapia” é sinônimo de “estar em terapia/análise” ou mesmo achar isso é resolução dos problemas ou conflitos. Infelizmente não é.

Qual seria, então, a diferença entre ir à terapia” ou “estar em terapia/análise”? . A primeira expressão, “ir à terapia”, aponta justamente para uma relação com o espaço de encontro com profissional. Isto é, a “terapia” restringe-se a esse espaço e a esse horário, assim, o psicólogo se torna o protagonista da “terapia”, como se o processo somente ocorresse na presença do psicólogo.

Quando falamos em “estar em terapia/análise” não nos referimos mais a uma idéia de local, mas, sim a um estado. Assim, “estar em terapia/análise” significa que a pessoa parou de culpar mundo pelo seu sofrimento, assumindo a responsabilidade por si mesmo e, especialmente, pelo seu futuro. Desde modo, a “terapia ou análise” não se restringe a presença do psicólogo ou consultório. O profissional acompanha, auxilia nesse processo de compreensão, mas, sem perder de vista o papel fundamental e o mérito é cliente. A terapia/analise é do cliente e não do psicólogo.

Assim,“estar em terapia/análise” é o primeiro passo para respondermos “quando é que eu começo  a mudar”. O passo seguinte seria compreender que racionalização não é conscientização. Acho importante essa distinção, pois, racionalização é um mecanismo de defesa, onde é criada na consciência uma explicação coerente e lógica acerca do sintoma ou problema, fazendo com que o individuo não enfrente o problema ou questão em si. Contudo, outro engano é achar que “conscientizar”, isto é, trazer um conteúdo inconsciente a consciência, seja o objetivo da psicoterapia.

Na verdade, para Jung, a conscientização envolve necessariamente uma ação. Isto é, para a conscientização ser efetiva é necessário que ela promova uma mudança na consciência. Esta mudança ou a integração de um conteúdo de origem inconsciente só é possível por uma ação voluntária da consciência. Por isso, é importante compreender que o desejo de “melhora” ou “de cura” ou “mudança” não se dá pela via passiva.

A ânsia de transformação é inerente à própria configuração do próprio inconsciente sendo idêntica ao impulso para a “individuação”. A individuação ocorre através da “conscientização”, da vivência genuína em contatos ou situações reais; não basta confiar no conhecimento teórico. Entrar em acordo com a psique objetiva depende dos esforços do analisando para compreender e testar, na experiência da vida real, os palpites e mensagens do inconscientes. (WHITMONT, 2002, p.261)

Desde modo, é essencial que o cliente se capaz de se permitir novas experiências, por isso mesmo é comum que analistas/terapeutas junguianos passem “exercícios de casa” para seus clientes, possibilitando tanto que conteúdos latentes emerjam à consciência quanto que o individuo possa ter novas experiências consigo mesmo.  É justamente nesse contexto, que Jung, no livro “A Prática da Psicoterapia”

“O que viso é produzir algo de eficaz, é um produzir um estado psíquico, em que meu paciente comece a fazer experiências com seu ser, um ser em que nada mais é definitivo nem irremediavelmente petrificado; é produzir um estado de fluidez, de transformação e de vir a ser.”(JUNG, 1999, p. 43-4)

A afirmação de Jung acerca do paciente “comece a fazer experiências com seu ser” implica justamente numa abertura ao novo, uma abertura as novas possibilidades. Essas “experiências” possibilitam que o cliente perceba em si o potencial de ir além, o potencial de cura que está em seu inconsciente e não foi integrado a sua consciência.

Esses elementos que eu indiquei “estar em terapia”, “conscientizar=ação”, e “abertura ao novo” possibilitam o desenvolvimento da psicoterapia. Por outro lado, acredito que devamos pensar um elemento crucial que está na “evitação às mudanças”, que é o “medo da vida”.

Para pensarmos o “medo da vida”, eu gostaria de citar Alexander Lowen, que discute esse tema em seu livro “Medo da  Vida”, segundo Lowen,

A neurose não é, costumeiramente, definida como medo da vida mas é exatamente isso. A pessoa neurótica tem medo de abrir seu coração ao amor, teme estender a mão para pedir ou para agredir; amedronta-a ser plenamente si mesma. Podemos explicar esses temores psicologicamente. Quando abrimos o coração ao amor, ficamos vulneráveis ao risco da mágoa; quando estendemos os braços à frente, nos arriscamos à rejeição; quando agredimos, há a possibilidade de sermos destruídos. Existe, contudo,  uma outra dimensão desse problema. Vida ou sensações de maior intensidade do que aquelas que a pessoa está habituada é algo perigoso pois que ameaça inundar o ego, ultrapassar seus limites, liquidar sua identidade. É assustador sentir mais vitalidade, ter sensações mais intensas.(….)

Queremos nos tornar mais cheios de vida, sentir mais, e temos medo disso. Nosso medo da vida se espelha em nossa maneira de nos mantermos ocupados a fim de não sentirmos, de ficarmos na correria, não nos encararmos de frente, de nos alcoolizamos ou drogarmos a fim de não sentirmos nosso ser. Por termos medo da vida, procuramos controla-la, domina-la. (LOWEN, 1986. p.11)

Muitas vezes, não compreendemos que o nosso medo da vida, nosso medo de encararmos nossa história – tanto pregressa quanto futura – está na essência de nosso sofrimento psíquico. É por isso que Jung afirma que “somente o que realmente somos tem o poder de curar-nos”, pois, quando somos realmente sinceros com nós mesmos podemos encontrar a coragem e a força necessária para enfrentar nossas próprias sombras e superar o nosso medo da vida.

Referências

JUNG, A pratica da psicoterapia, Petrópolis: Vozes, 7ed. 1999.

LOWEN, A. Medo da Vida, São Paulo: Summus editorial, 1986.

WHITMONT, Edward C. A busca do símbolo. Cultrix; São Paulo, 1995

 

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Fabricio Fonseca Moraes (CRP 16/1257)

Psicólogo Clínico de Orientação Junguiana, Especialista em Teoria e Prática Junguiana(UVA/RJ), Especialista em Psicologia Clínica e da Família (Saberes, ES). Membro da International Association for Jungian Studies(IAJS). Formação em Hipnose Ericksoniana(Em curso). Coordenador do “Grupo Aion – Estudos Junguianos”  Atua em consultório particular em Vitória desde 2003.

Contato: 27 – 9316-6985. /e-mail: fabriciomoraes@yahoo.com.br/ Twitter:@FabricioMoraes

www.psicologiaanalitica.com

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